Cavi Borges: louco por cinema

A saga do jovem produtor carioca que a partir de uma locadora de vídeo já conseguiu a proeza de produzir 58 curtas e 12 longas, incluindo “Riscado”, um dos filmes mais premiados deste ano

Poucos no Brasil podem se gabar de, em seis anos, ter feito 70 filmes – 12 longas e 58 curtas –, quase todos sem patrocínios oficiais. Carlos Vinícius Borges, o Cavi, talvez seja o único. Dono da Cavídeo – hoje, além de locadora, também produtora –, diretor e produtor, o carioca Cavi Borges é um caso isolado no cenário brasileiro, por realizar filmes de baixíssimo orçamento, rapidamente, e em grande quantidade. E ainda tem marcado presença nos principais festivais de cinema do Brasil e do mundo. “Riscado”, por exemplo, produzido por Cavi e dirigido por Gustavo Pizzi, sobre uma atriz tentando ascender na carreira, tem ido bem no Brasil: foi exibido no Rio, Tiradentes, FAM, Gramado, entre outros, e já tem estreia comercial prevista para começo de setembro, com distribuição da Espaço Filmes.

O número de filmes impressiona, denotando uma coisa muito forte e aparente nos filmes de Cavi: a prática do cinema como um exercício. É um processo de aperfeiçoamento feito na prática, de aprimoramento e evolução. “Sei que nossos filmes têm muitas falhas, muitos defeitos. Eu leio as críticas. Mas não vejo como algo negativo, vejo como uma evolução. Acredito no aprendizado pela prática. Meu curta, ‘A Distração de Ivan’ [codirigido por Gustavo Melo, em 2009], foi para Cannes, mas tive que fazer 15 curtas antes disso. No longa ‘Vamos Fazer um Brinde’ [exibido no 15º Cine-PE] tem muito da codiretora Sabrina Rosa. Ela é atriz, nunca tinha escrito e dirigido nada. Agora está muito mais madura com toda a experiência”, comenta Cavi.

“Fazendo filmes baratos e despretensiosos podemos arriscar mais, tentar mais, praticar mais. Se fosse esperar por patrocínios, teria feito apenas dois curtas e nenhum longa. Estamos nos preparando para, quando entrar grana, fazermos o melhor possível. Foi o que aconteceu com o ‘A Distração de Ivan’”, justifica, comentando sobre seu único filme a ganhar o Programa Petrobras Cultural.

A tendência de Cavi agora é apostar mais nos longas. São quatro prontos aguardando estreia em festival: “Strovengah”, de André Sampaio, “Cowboy”, de Abelardo Carvalho, “Paraíso, Aqui Vou Eu”, de Cavi Borges e Walter Daguerre, e “Mentiras Sinceras”, de Pedro Asbeg. Outros três estão em fase de finalização: “Geraldinos”, de Renato Martins e Pedro Asbeg, “25 Anos Cia Armazém de Teatro”, de Daniel Ribeiro e José Luiz Jr., e “5 Contos de Machado de Assis”, de Jom Tob Azulay. Há também os que estão circulando em festivais, como “Riscado”, “Vamos Fazer um Brinde”, “Enchente”, de Julio Pecly e Paulo Silva, “Casa 9”, de Luiz Carlos Lacerda, “Copa Vidigal”, de Luciano Vidigal, e “Malditos Cartunistas”, de Daniel Paiva e Daniel Garcia. Isso tudo sem contar os em pré-produção ou em desenvolvimento. “Já fizemos muitos curtas – e vamos continuar fazendo – e agora chegou a hora de aprender a fazer longas. Cada formato exige um conhecimento novo e específico. Aprendo muito com a prática. Talvez meu décimo longa seja um grande filme. Até lá continuo fazendo e aprendendo”, pontua Cavi.

Modelo de produção

A maior dificuldade encontrada talvez seja capitalizar, ainda que Cavi faça tudo com baixíssimo orçamento – os curtas custam, em média, de R$ 2 mil a R$ 4 mil, e os longas entre R$ 20 mil e R$ 60 mil. “Já ganho alguma grana com meus filmes, mas ainda não o suficiente para me sustentar. Ainda dependo da minha locadora e dos cursos que dou. Mas a grana que ganho dos filmes reinvisto em novos filmes. Em compensação, já há um ano e meio que a produtora se sustenta sozinha. Como temos muitos filmes, sempre cai um dinheiro de algum projeto diferente”, afirma o diretor de “L.A.P.A.”.

Em 2010, por exemplo, a série “Mateus, o Balconista” e o longa “Vida de Balconista”, derivado da série, ambos feitos originalmente para celular, sustentaram a produtora. A série, feita para a OiTV com orçamento de R$ 2 mil para uma hora de conteúdo e gravada durante uma noite, foi vendida para dois canais televisivos, entre eles, a Mix TV, que pagou R$ 3 mil por cada um dos 60 episódios.

Com baixos orçamentos, sem equipamentos próprios, Cavi tem que rebolar para conseguir o necessário para fazer seus filmes. Mas seu carisma e seu eterno bom humor, além de sua rede de contatos, têm garantido sobrevida às suas produções. “Riscado”, por exemplo, custou R$ 50 mil, sendo R$ 40 mil de investimento do Canal Brasil. Claro, esse valor é apenas o de dinheiro realmente gasto, sem contar apoios, prêmios, entre outras coisas. “Com o curta ‘Sete Minutos’, ganhamos um prêmio da LinkDigital de 15 minutos de transfer de digital para película. Pegamos esse prêmio, revertemos em valores e o usamos para a finalização de imagem de ‘Riscado’. O que era para ser transfer ficou sendo finalização. Editamos na Mega, que foi superparceira – orçado em R$ 15 mil, gastamos R$ 3 mil”, conta, explicando como consegue produzir com orçamentos tão abaixo da média.

Os salários também são baixos, “simbólicos”, quando existem. “Mas todos viram sócios e podem ganhar mais grana depois. Acredito muito nisso. Como funciona no comércio”, justifica. “Vamos Fazer um Brinde”, por exemplo, rodado em cinco dias, custou R$ 30 mil, sendo R$ 10 mil nas filmagens e R$ 20 mil na finalização. “Por não receberem nada, todas as atrizes são produtoras. Se render, elas recebem”, explica Cavi. “Vamos tentar fazer com o que temos”, diz. Para evitar rodar de novo, foram usados dois fotógrafos e duas câmeras. Se estava bom, não repetiam. A iluminação da casa onde se passa o filme inteiro era uma só, e a câmera acompanhava as pessoas.

Cinema para diversificar a profissão

Cavi Borges poderia ter sido um dos grandes lutadores de judô do Brasil, atividade que exercia desde os três anos de idade. Estava tudo pronto para ir para as Olimpíadas de Atlanta, em 1996, como reserva, quando uma fratura na costela o fez ser cortado do time. Não desistiu. Continuou com os treinos pesados e, em 2000, preparou-se para as Olimpíadas de Sidney, desta vez como titular. Durante treino no Japão, sofreu um golpe no joelho, que rompeu o ligamento. Voltou numa cadeira de rodas, onde ficou por mais de um ano.

O judô saía, assim, de sua vida. Sua sorte foi que, em 1997, aos 20 anos, após o acidente que o tirou de sua primeira olimpíada, Cavi resolveu diversificar suas atividades. Tinha uma verve empreendedora, vendendo quimonos, faixas e outros artigos que trazia do exterior, e resolveu abrir uma lojinha na Cobal do Humaitá. Instintivamente, escolheu abrir uma locadora, a Cavídeo (hoje com 14 anos), com 300 fitas VHS e mais um tanto de quinquilharias, camisetas e afins. “A ideia era abrir uma loja de custos baixos. Não tinha muito dinheiro na época, morava com meus pais. Lutava pelo Vasco. Costumo brincar que a Cavídeo é 50% do Eurico Miranda”, achincalha. Cavi foi fazendo seu acervo e conhecendo cada vez mais sobre cinema.

A partir dos anos 2000, resolveu estender suas atividades e entrou para o ramo de produção cultural, especialmente em mostras e cineclubes, o que atraiu mídia e público para a locadora. Na mesma época, começaram as primeiras experiências fílmicas, com os curtas “Sem Saída” e “Mundo de Andy”. Até que, em 2005, Cavi resolveu apostar na produção.

“Já produzimos 58 curtas e 12 longas. Se me perguntar amanhã, provavelmente esses números mudarão. Tenho projetos em vários estágios diferentes. Uns filmando, outros editando, outros finalizando. Minha meta é, no ano que vem, o ano em que a Cavídeo completa 15 anos, ter 15 longas e lançá-los um por semana nos cinemas, como a Vitrine Filmes fez [na Sessão Vitrine], usando cinemas independentes”, conclui.

Agora é esperar pelas produções da Cavídeo. Certamente não tardarão.

 

Por Gabriel Carneiro

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