Festival brasiliense premia “Branco Sai, Preto Fica”

Por Maria do Rosário Caetano, de Brasília

 

O júri da quadragésima-sétima edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro concentrou a distribuição de seus principais prêmios entre dois filmes: o brasiliense “Branco Sai, Preto Fica”, de Adirley Queirós, e o pernambucano “Brasil S/A”, de Marcelo Pedroso. E um ato político de rara generosidade em tempos marcados pela disputa desmedida e pelo consumismo desenfreado coroou a festa de premiação: os seis realizadores de longa-metragem acertaram, antecipadamente, dividir o exagerado prêmio financeiro (R$ 250 mil) em seis partes iguais. Cada um terá, portanto, quase R$ 42 mil para investir em novos filmes.

Há muitos anos Brasília e Paulínia, em busca de filmes 100% inéditos, inflacionaram de forma absurda os valores de seus prêmios. Brasília este ano abriu mão do ineditismo, mas continou exorbitando no valor dos prêmios. O grande vencedor – “Branco Sai, Preto Fica” – estreou no circuito de festivais no começo do ano, na Mostra Tiradentes, na qual ganhou menção honrosa. Seguiu para o Olhar de Cinema de Curitiba, no qual ganhou o Prêmio Especial do Júri e prêmio de melhor filme brasileiro da mostra Outros Olhares. No Festival de Vitória ganhou prêmio de melhor roteiro e contribuiçao artística pelo som.

O segundo longa-metragem de Adirley, um drama social com ares de ficção científica, quebrou longo jejum (de vinte anos) da produção local ao conquistar o Candango de melhor filme. Exatas duas décadas atrás, “Loucos por Cinema”, de André Luiz Oliveira, fora eleito o melhor. “Branco Sai, Preto Fica” conquistou ainda os prêmios de melhor ator (para o rapper Marquim do Tropa) e melhor direção de arte (para Denise Vieira). Se tivesse conquistado o Júri Popular, o filme brasiliense teria feito a tríplice coroa, já que foi o eleito da Crítica Cinematográfica.

O pernambucano “Brasil S/A”, uma distopia social futurista, levou cinco troféus Candango: melhor direção e roteiro (ambos de Marcelo Pedroso), melhor montagem, trilha sonora e som.

O júri popular optou pelo documentário “Sem Pena”, de Eugenio Puppo, polifônico painel dos imensos problemas do sistema carcerário brasileiro. Embora ignorado pelo júri oficial, o filme foi o mais aplaudido do festival. Na primeira noite da mostra competitiva, recebeu aplausos demorados e calorosos.

As categorias que mais desafios impuseram ao júri foram as de atriz e ator (principal e coadjuvante). Como todos os seis longas escolhidos filiam-se a uma única vertente – a do cinema de pesquisa de linguagem e baixo orçamento – não havia um única atriz com carreira estabelecida. Dandara de Moraes foi eleita melhor intérprete feminina. Ela passou pelo elenco de Malhação (2005), mas seu currículo não registrava novas experiências audiovisuais até somar-se a uma comunidade de pescadores no litoral alagoano e protagonizar “Ventos de Agosto”. Na categoria coadjuvante, o júri teve que recorrer a Elida Silpe, de participação fugaz em “Ela Volta na Quinta”. No palco, com o Candango na mão, Elida agradeceu, mas avisou: “não sou atriz”. O melhor ator coadjuvante foi Renato Novais, irmão do diretor André Novais Oliveira. O cineasta também atua no filme, que tem seus pais, Dona Zezé e o Senhor Norberto, como protagonistas. Num panorama dominado por “atores naturais” (ou atores não-profissionais) a premiação do rapper Marquim do Tropa funcionou bem. Afinal, ele que passou, na pele dele mesmo, por filmes de Adirley Queirós, desta vez, pode construir personagem nuançado e trabalhar a voz com um mix de malemolência, melancolia e rebeldia.

No terreno dos “atores naturais” quem exorbitou foi o júri de curta-metragem. Mesmo dispondo de várias opções, o colegiado resolveu dar o Candango de melhor ator a um velhinho sergipano de 100 anos, que perdeu a fala e vive cercado de familiares. Trata-se da figura central de um documentário. Excentricidades de júris que gostam de “ousar” e “causar”. Aliás, a vertente ora privilegiada pelo festival candango, o mais antigo do país, tem alergia a atores profissionais. Se continuar por estas sendas, realizadores que enriquecem seus elencos com atores profissionais, como Claudio Assis, Tata Amaral, Murilo Salles, Walter Carvalho, Beto Brant e Lírio Ferreira podem buscar outras vitrines. Aqui não terão vez.

Um registro final: o único longa-metragem ignorado por todos os júris, oficiais e paralelos do Fest Brasília 47, foi o paraibano “Pingo d’Água”, de Taciano Valério, que tem em Jean-Claude Bernardet sua peça de resistência conceitual e artística. Como Taciano, radicado em Caruaru, faz filmes com orçamentos baixíssimos (este fecho de sua Trilogia Sem Cor custou R$ 30 mil), os R$ 42 mil do rateio do prêmio principal permitirá a ele realizar um novo longa.

Veja a relação dos premiados do festival:

LONGA-METRAGEM:

“Branco Sai, Preto Fica” (DF) – melhor filme, ator (Marquim do Tropa), Crítica (Abraccine) e direção de arte ( Denise Vieira)

“Brasil S/A” (PE) – Melhor direção (Marcelo Pedroso), roteiro (Marcelo Pedroso), montagem (Daniel Bandeira),  trilha sonora (Mateus Alves), som (Pablo Lamar)

“Sem Pena” (SP) – Melhor filme pelo Júri popular

“Ventos de Agosto” (PE) – Melhor atriz (Dandara de Moraes), melhor fotografia (Gabriel Mascaro)

“Ela Volta na Quinta” (MG) – Melhor atriz coadjuvante (Élida Silpe), ator coadjuvante (Renato Novais)

CURTA-METRAGEM:

“Sem Coração” (PE) – Melhor filme, direção (Nara Normande e Tião) e montagem (Nara Normande e Tião)

“Estátua!” (SP) – atriz (Maeve Jinkings), roteiro (Gabriela Amaral Almeida), Prêmio da Crítica (Abraccine)

“Loja de Répteis” (PE) – trilha sonora (Piero Bianchi, Vinícius Nunes e Mateus Alves),  fotografia (Beto Martins), direção de arte (Juliano Dornelles)

“Geru” (SP) – melhor ator (Zé Dias), som (Fábio Baldo)

“Crônicas de uma Cidade Inventada” (DF) – Melhor filme pelo Júri popular

MOSTRA BRASÍLIA
(CURTA E LONGA-METRAGEM)

“Branco Sai, Preto Fica” – Melhor longa, ator (Marquim do Tropa), montagem (Guille Martins), direção de arte (Denise Veira), edição de som (Guille Martins e Camila Machado), captação de som (Francisco Craesmeyer)

“Crônica de uma Cidade Inventada” – melhor curta

“Zirig Dum Brasília – A Arte e o Sonho de Renato Matos” – Melhor diretor (André Luiz Oliveira), trilha sonora (Renato Matos), melhor longa pelo Júri Popular

“Ácido Acético” – melhor roteiro (Fáuston da Silva), melhor curta pelo Júri Popular

“Querido Capricórnio” – melhor atriz (Klarah Lobato)

“Meio Fio” – melhor fotografia (Dani Azul)

“À Mão Armada” – direção de arte (Luiz Fernando Skopein)

PRÊMIOS DE PARCEIROS DO FESTIVAL

“Zirig Dum Brasília – A Arte e o Sonho de Renato Matos” (DF) – Prêmio Marco Antônio Guimarães, atribuído pelo CPCB (Centro de Pesquisadores do Cinema Brasileiro) ao filme que melhor utilizou material de arquivo + Prêmio Conterrâneos de melhor documentário (atribuído pelo Cine Memória)

“Sem Coração” (PE) – Prêmio Aquisição do Canal Brasil

“Branco Sai, Preto Fica” (DF) – Prêmio Aquisição TV Brasil (EBC) +  Prêmio Saruê, atribuído pelo Correio Braziliense

“Crônicas de uma Cidade Inventada” (DF) – Prêmio Vagalume de melhor curta ( atribuido pelos portadores de deficiências auditiva ou visual,que frequentam o FBCB)

“Ventos de Agosto” (PE) – Prêmio Vagalume de melhor longa (atribuído pelos portadores de deficiências auditiva ou visual, que frequentam o FBCB)

One thought on “Festival brasiliense premia “Branco Sai, Preto Fica”

  • 25 de setembro de 2014 em 11:29
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    O festival de brasília prova que é um dos mais ousados do mundo. E viva o cinema de baixo orçamento!

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