O confronto USP x Mackenzie em “A Batalha da Maria Antônia”

Por Humberto Pereira da Silva, de Tiradentes

 

O cineasta Renato Tapajós tem uma trajetória centrada em documentários de temática política. Seu filme mais conhecido é Linha de Montagem (1982), que trata do cotidiano político do líder sindical Lula, durante as greves operárias no ABC em fins dos anos de 1970 – pouco antes, portanto, da criação do Partido dos Trabalhadores (PT). Engajado defensor de um cinema militante de orientação de esquerda, Tapajós apresentou na 18º Mostra de Cinema Tiradentes seu mais recente trabalho, A Batalha da Maria Antônia.

Como ele próprio faz questão de acentuar, trata-se de seu ponto de vista sobre o confronto que opôs alunos da Faculdade de Filosofia da USP e da Universidade Mackenzie em outubro de 1968 na Rua Maria Antônia. Este ano, marcado por rebeliões estudantis em diversos cantos do mundo, teve aqui, com o confronto entre estudantes da USP e do Mackenzie, algo como nosso maio de 68: a rua que abrigava estas instituições seria nosso Quartier Latin, em referência ao célebre quadrilátero parisiense em torno da Sorbonne, palco da rebeldia juvenil francesa.

Tapajós foi testemunha da batalha da Maria Antônia e estava à esquerda da trincheira. Dessa perspectiva, seu filme procura captar o espírito que movia as ações dos estudantes que se opuseram à ditadura que havia se instalado no país em 1964. Não lhe interessa, portanto, ouvir a voz do outro lado da trincheira. “A Batalha da Maria Antônia”, para seu próprio cineasta, foi pensado de modo a dar voz àqueles que, na Faculdade de Filosofia, reagiam contra a ditadura. A intenção de Tapajós é colher depoimentos de envolvidos naqueles acontecimentos com a perspectiva de sondar como eles hoje enxergam os eventos de que fizeram parte.

Acentuar que o documentário reflete o ponto de vista de Tapajós previne o espectador a não procurar o que seria sua própria projeção pessoal de uma reconstituição isenta das tensões que levaram a rua a se dividir em dos blocos ideológicos: a esquerdista USP e a direitista Mackenzie nos conturbados anos de guerra fria e de polarização política. A vantagem dessa opção, caso não gere desconforto naqueles que a vejam como um ponto de visto nostálgico e elogioso de um momento de complexidade ímpar, é que Tapajós revela subliminarmente os sentimentos, motivações, ingenuidade e certo romantismo dos estudantes da Filosofia.

Ao adotar uma postura que se afasta na neutralidade, da isenção política, a Maria Antônia de Tapajós mostra como jovens libertários uspianos daqueles anos viviam um clima em que estava na onda se rebelar contra valores morais estabelecidos e arraigados. A política, sob muitos aspectos, era uma válvula de escape. Por meio dos depoimentos de quem estava à esquerda da trincheira, se tem um dado de perfil do comportamento da juventude que abraçou a contracultura ou em seguida aderiu à luta armada.

Não se trata de um filme, portanto, cujas marcações não tenham sido bem calculadas e seus efeitos devidamente ponderados. Ou seja, não é um filme que leve o espectador a exigir mais do que oferece. Melhor, quem se aproximar de A Batalha da Maria Antônia com um gabarito pronto perderá a oportunidade de ver o que efetivamente se mostra nos depoimentos, e que traz muito do sentido mais íntimo, afetivo e ingênuo daquela geração à esquerda.

Na medida em que não busca neutralidade, inevitável ponderar que Tapajós realizou com A Batalha da Maria Antônia uma apologia do comportamento da geração à esquerda no campo de batalha. Com isso, inevitável ponderar, igualmente, que há certo heroísmo nos protagonistas. E o protagonista mais destacado naqueles acontecimentos foi José Dirceu, à época presidente da União Estadual dos Estudantes (UEE). Dado o papel que José Dirceu representa na cena política hoje, inevitável, mais uma vez, ponderar que, ao assumir um lado, Tapajós não se distancia do presente, com as tensões novamente polarizadas.

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