Comédia satiriza política em meio ao caos

Inaugurada em 1960, para funcionar como uma das principais vias rodoviárias de acesso ao Rio de Janeiro, a Perimetral teve seu prazo de validade vencido no fim de 2013, mas, de seus escombros, brotou um filme de longa-metragem que promete, na visão de seu diretor, renovar o conceito contemporâneo de comédia no Brasil: “O Prefeito”. Seu criador, o cineasta Bruno Safafi, conhecido por desenvolver um cinema na contramão do mercado e optando por uma linguagem mais experimental, desta vez, escolheu o humor político em seu sexto longa-metragem, em fase de finalização.

O filme é protagonizado pelo dublador, mágico, humorista e ator Nizo Neto, celebrizado como o aluno CDF Seu Pitolomeu da “Escolinha do Professor Raimundo”, onde trabalhava com seu pai, Chico Anysio, que assume o papel de um alcaide que sonha decretar a independência do Rio em relação ao restante do Brasil, tornando-se seu sumo-governante. Só que este líder opta por governar a Cidade Maravilhosa do que sobrou da Perimetral.

“Este filme nasce do meu desejo de trazer o humor ácido de volta às nossas telas como forma de pegar uma tendência cinematográfica que anda em voga no país, a comédia, só que associada a um estilo televisivo, esteticamente pobre, como forma de reinventá-lo”, diz Safadi, que, aos 34 anos, soma outros cinco longas e muitos prêmios em seu currículo de ex-aluno da Universidade Federal Fluminense (UFF), entre eles, a sua estreia com “Belair” (2009), que explora o universo cinematográfico de Júlio Bressane e Rogério Sganzerla, e o mais recente, “O Fim de uma Era”, que leva ao 44º Festival de Roterdã (de 21 de janeiro a 1º de fevereiro), na Holanda. O filme é o terceiro projeto de Safadi com o coletivo Operação Sonia Silk.

Segundo Safadi, “a inspiração aqui é a screwball comedy americana, um filão do riso mais visual e menos verbal do que as comédias brasileiras de hoje. Mas tudo só foi possível em função de um novo momento de reflexão política trazido pelas manifestações de 2013. Com base nessa reflexão, tentamos falar da política a partir do que se passa por trás das cortinas”.

Enredo político em um cenário de caos

Na trama do longa, o personagem de Nizo, conhecido apenas como O Prefeito, é um governante viciado em remédios que sonha em ser um novo Pereira Passos (1836-1913), o político responsável pela revitalização urbanística do Rio entre 1902 e 1906. Mas a forma que o protagonista do filme de Safadi encontra é emancipar o Rio como nação soberana, mantendo os impostos locais – altíssimos – dentro do perímetro da cidade. A ideia, a princípio megalômana, concretiza-se graças ao apoio de aliados de governo que sonham em dividir a receita dessa taxação carioca entre si, além de ganharem, cada um, uma rua ou um bairro do Rio para desfrutarem como quiserem. Aos poucos, contudo, o que seria um golpe escuso torna-se um governo revolucionário, tendo como sede os dejetos de concreto, aço e poeira da Perimetral.

No enredo de “O Prefeito”, o personagem de Nizo, ao alcançar o poder, após um plebiscito, desenvolve uma alergia a pessoas que o impede de se relacionar com seus eleitores e aliados. Ele é ainda conectado com uma visão do Além: uma mulher espectral, chamada Alma Errante, vivida por Djin Sganzerla, que vira sua conselheira.

A comédia com mais visual e poucas palavras

“Conseguimos apoio da Prefeitura do Rio, mesmo com o viés ácido da trama, para filmar na própria Perimetral, pois o prefeito Eduardo Paes percebeu que, a partir dali, estaríamos mostrando as transformações da cidade, no esforço que ele vem tomando para revitalizar a zona portuária. Se eu tivesse que reproduzir aquele cenário em estúdio, o orçamento do filme pulava para a cifra do milhão. ‘O Prefeito’ não é uma comédia à la Riofilme, que parece um stand-up, muito falado, pouco visual. É um trabalho feito por uma equipe de dez pessoas, com poucos diálogos, simulando um diário político do protagonista. É uma tentativa de eu me arriscar em um terreno novo para uma geração tão apolítica como a minha, que nasceu nos anos 1980”, diz Safadi.

“Além de Nizo, de Djin e do ator Gustavo Moraes, uso fotos para representar os demais personagens, numa estrutura narrativa que evoca o filme ‘La Jetée’, de Chris Marker. É uma maneira de dialogar com a tradição do cinema de muitas formas. Eu trouxe muita influência das comédias carnavalescas cariocas dos 1940 e 50, em especial, ‘Aviso aos Navegantes’, de Watson Macedo, que é um filme seminal. Não por acaso, elegi como protagonista um ator que está conectado à tradição do humor popular na TV: o Nizo. Era uma forma de revitalizá-lo e mostrar ao cinema o grande ator que ele é”, diz Safadi, que lançará este ano o premiado “Éden” e “O Uivo da Gaita”, ambos com Leandra Leal.

Produção de baixo orçamento e coletiva

“O Uivo da Gaita” integrou um projeto do coletivo Operação Sonia Silk que Safadi e Leandra organizaram com base nas memórias da Bel Air, a produtora que Júlio Bressane e Rogério Sganzerla criaram em 1970 e que gerou seis filmes em cerca de quatro meses de vida. Nos mesmos moldes, Safadi organizou, em 2014, um novo projeto chamado Tela Brilhadora, fomentado com uma verba estimada em R$ 150 mil do Canal Brasil, para gerar quatro longas até agosto deste ano. “O Prefeito” é um deles, ao lado de “O Espelho”, de Rodrigo Lima, “Origem do Mundo”, de Moa Batsow, e “Garoto”, de Júlio Bressane, o mestre de Safadi, do qual foi assistente de direção.

“É mais um projeto que nasce do sonho da Bel Air”, anuncia Safadi, que prepara ainda o filme “Lilith”, com Maria de Medeiros, e uma livre adaptação do cultuado romance “O Apanhador nos Campos de Centeio”, de J. D. Salinger. “Quero partir do ‘Apanhador’ para narrar a saga de um jovem de classe média com dificuldade para lidar com o mundo ao seu redor”, finaliza Safadi.

 

Por Rodrigo Fonseca

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