E se a fonte secar?

No dia 1º/01/2017, os artigos 1º e 1ºA, da Lei do Audiovisual (Lei nº 8.685/1993), poderão ter perdido sua vigência. Isso significa que dois relevantes mecanismos de financiamento ao audiovisual poderão ser extintos e que os produtores de cinema e TV terão de arquitetar outras formas de viabilizar suas obras.

Em breve resumo, o Art. 1º autoriza que sejam abatidos do IR devido os valores utilizados na compra de Certificados de Investimento Audiovisual, além de permitir que tais valores sejam lançados na contabilidade da empresa como despesa operacional. Já o Art. 1ºA autoriza os contribuintes a deduzirem do IR devido as quantias aportadas no patrocínio a projetos audiovisuais.

Esses mecanismos são muito importantes: segundo o Observatório do Cinema e do Audiovisual da ANCINE, o Art. 1º manteve a liderança entre todos os mecanismos de incentivo indireto e movimentou em torno de meio bilhão de reais entre 2001 e 2012, ao passo que o Art. 1ºA, criado em 2007, movimentou, aproximadamente, trezentos milhões de reais. O Art. 1ºA foi a principal fonte de captação entre os diversos mecanismos, seguido pelo Art. 1º.

Como já aconteceu, a vigência desses artigos pode ser prorrogada, desde que haja interesse público e, de certa forma, mobilização de cineastas, produtores e do setor audiovisual em geral. Até o encerramento desta edição, verificou-se que não há projeto de lei sobre o assunto, o que não significa que a prorrogação não acontecerá – em 2010, a vigência do Art. 1º foi prorrogada a um dia do término.

É conveniente lembrar a natureza do incentivo fiscal. Pode-se dizer que, muitas vezes, por falta de recursos em certo setor da economia ou região do país, este instrumento estatal de interesse estratégico (se for oportuno e tiver interesse público) é criado para que recursos sejam canalizados para tal segmento/região, por processos e critérios definidos em lei, gerando o retorno socioeconômico desejado pelo Estado incentivador. Logo, em tese, o incentivo fiscal pode ter começo, meio e fim, se assim decretar o poder público, por exemplo, ao observar que não há mais necessidade daquele setor receber estímulos fiscais por ser autossustentável.

Este exemplo pode ser do que estamos falando aqui. Já era previsto na diretriz 7 do Plano de Diretrizes e Metas para o Audiovisual que se deseja ampliar o investimento privado na produção independente de cinema e TV e que “a concentração do financiamento da produção nos mecanismos administrados pela União fragiliza o modelo”. Não seria surpresa se esses mecanismos realmente “caíssem” e crescesse o uso de recursos próprios e de terceiros investidores sem incentivo fiscal (do ramo audiovisual ou não), as parcerias com marcas (branded content, merchandising e product placement), e, para além dos projetos, as constituições de joint ventures e private equity. Enfim, novos modelos de negócio podem surgir da necessidade de fontes de recursos.

Até onde se sabe, os outros mecanismos de incentivo fiscal (Lei nº 8.313/1991 – Lei Rouanet, Arts. 3º e 3ºA, ambos da Lei do Audiovisual, e Art. 39-X, da MP 2.228-1/2001) continuarão a existir e, provavelmente, serão mais demandados. Será isso uma boa tática como política pública? Será que o uso da Lei Rouanet para o audiovisual será rediscutido? Será o Fundo Setorial do Audiovisual mais presente nos projetos e seu acesso ampliado? Serão editais regionais e leis de incentivo fiscal estaduais e municipais realmente uma opção factível para os diversos tipos de produções? Se e quais modelos de negócio na era da inovação tecnológica dispensarão recursos públicos?

Mais que oportuna, acreditamos que a reflexão é necessária. Não só pela aproximação de 2016, mas pela sobrevida da indústria audiovisual brasileira: se o objetivo é produzir “mais com menos”, essa alteração iminente pode causar efeitos significativos e quiçá irreversíveis, que poderão ser vistos e vividos em longo prazo.

 

Por Carolina Kazumi S. Rabelo, advogada do escritório Cesnik, Quintino & Salinas Advogados | www.cqs.adv.com.br

6 thoughts on “E se a fonte secar?

  • 1 de junho de 2015 em 09:16
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    Já está na hora do cinema brasileiro ser autosustentável. E isso só será possível atravês da iniciativa privada! E para começar é preciso cortar custos. Produções com valor de oito, quinze e trinta mil reais, devem ser feitas. Este deve ser o novo foco, o cinema brasileiro deve ser desburocratizado e principalmente barato.

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    • 1 de junho de 2015 em 12:39
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      Existem vertentes a serem analisadas que vão além da auto-sustentabilidade do modelo estatal ( sim pois o dinheiro de renúncia fiscal é, em uma análise, dinheiro público). Vemos hoje, pela carência de recursos investidos já levou a uma queda de qualidade sensível no produto audiovisual. As remunerações caíram e com elas o investimento em insumos de produção. E estamos falando de produtos destinados ao público via cinema, tv ou cabo.
      Ao pensarmos em em produtos de público restrito, de nichos de mercado, a suspensão dos subsídios simplesmente os aniquilará. Curtas, documentários, filmes étnicos simplesmente desaparecerão.
      Pensar um cinema para mercado onde não se criou o mercado é um tiro no pé.
      Nossas séries para tv, com algumas exceções, não têm mercado externo e se o tiverem será por minguados valores. Ao não se investir em produtos de qualidade fecha-se a porta do mercado externo e consequentemente dos valores que possibilitariam manter a indústria saudável e operativa.

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  • 2 de junho de 2015 em 15:31
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    O cinema brasileiro, sempre foi estatizante ( com exceção do cinema da boca) está na hora de mudar o sistema de produção. O nosso cinema tem uma participação no mercado que favorece novas iniciativas. Devemos estabelecer um novo formato, se o market share não é maior, o erro foi do modelo estatizante que adotamos. Precisamos desenvolver métodos de capitalização que facilitem a produção de filmes, e isso só vai ser possível atravês da iniciativa privada. Orçamentos modestos, não quer dizer que vai haver uma queda da qualidade. É possível filmar, com uma equipe mínima com histórias minimas. Chega de produções com valor de três a vinte milhões. O filme Estrada para Ythaca é um exemplo a ser seguido!

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  • 11 de agosto de 2015 em 20:05
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    O problema a meu vê é o chamado capitalismo.
    Tem uma galera que gosta de fazer cinema, e faz sem grandes orçamentos ou até mesmo sem nenhum… só na parceria. Já tem outros que gostam de ganhar dinheiro, esses avacalham todo o processo de incentivo das leis. Infelizmente tem gente com a grana no bolso e o projeto na gaveta.

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  • 21 de outubro de 2017 em 21:12
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    Eu acho engraçado algumas opiniões aqui nos comentários… Um fala na iniciativa privada como meio de autossustentabilidade, e ignora completamente o cinema como CULTURA, e outros fatores que vou comentar junto com o outro argumento do “cinema capitalista”, que ignora o cinema nacional como FONTE DE RECURSOS E NICHO ECONÔMICO IMPORTANTE. Vamos voltar um pouco no tempo pra gente ter uma nova perspectiva da questão.

    1. O sistema predador praticado pelo cinema norte-americano se iniciou na II Grande Guerra quando eles priorizaram bombardear os complexos cinematográficos europeus e foi assim que surgiu a supremacia norte-americana cinematográfica. A primeira questão a se pensar é: Foi apenas por questões econômicas? Foi apenas pra ser o único produtor de película, o maior produtor de filmes? A resposta? Não. Cinema é uma fonte de poder e domínio, por que cinema dissemina cultura e renova valores. Com a hegemonia do cinema norte-americano, apoiado por muitos bombardeios, Os EUA didundiram a sua mentalidade socio-economica e seus valores, como o sonho americano, por exemplo, que movimenta bilhões. Sobre o poder da imposição cultural é fácil identificar suas consequencias, quando uma criança conhece mais a cultura estadunidense do que a do seu próprio país. Isso se reflete na idolatria que se desenvolve em volta da cultura e valores cultivados numa região. PARA RESUMIR O PRIMEIRO PONTO: CINEMA É PODER ECONÔMICO E SOCIAL. O CINEMA É USADO COMO INSTRUMENTO DE FORMAÇÃO DE VALORES INTERESSANTES A QUEM O DETÉM. PORTANTO CINEMA É ESTRATÉGICO DO PONTO DE VISTA NACIONALISTA E NÃO PODE SER NEGLIGENCIADO PELO GOVERNO, de forma que deixar para a iniciativa privada a palavra final do que deve ou não ser financiado é um grande erro.

    2. No ano de 2016 foram lançados 143 filmes nacionais. Eu pergunto: quantos filmes brasileiros você viu em cartaz nos grandes cinemas? Quantos você assistiu? Vamos ser otimistas e dizer que você viu ou assistiu a 10 deles. E os outros 133? Se você não teve acesso, ou decidiu por questões que não se pode precisar não assisti-los, como você acha que eles seriam autossustentáveis? Essa conta não tem como fechar, certo? Se esses 133 filmes não fossem vistos como patrimônio nacional, como estratégico, como meio de preservar a cultura, como eles seriam pagos? Como essas pessoas seriam motivadas a continuar fazendo cinema nacional se nem para legado e história poderiam ser úteis? RESUMO DO 2 PONTO: O BRASIL NÃO TEM UMA POLÍTICA QUE PROPICIA A AUTOSSUSTENTABILIDADE. VÁRIAS INICIATIVAS PRECISAM SER TOMADAS ANTES QUE ISSO POSSA ACONTECER. UMA DELAS É A VALORIZAÇÃO DO CINEMA NACIONAL (pq aí as pessoas iriam assistir como forma de incentivo a novas iniciativas), RESERVA DE MERCADO PARA FILMES NACIONAIS (afinal você não pode assistir o que não lhe está disponível. Se o cinema perto da sua casa não reserva espaço para os filmes nacionais você sequer tem a opção de incentivá-los). Entre outros.

    3. Uma das mentalidades que precisam ser alteradas para que o Brasil caminhe para a autossustentabilidade é a consciência de que ARTE E ECONOMICAMENTE VIÁVEL. ARTE GERA EMPREGOS, ARTE GERA DINHEIRO, ARTE MOVIMENTA A ECONOMIA. Então vamos parar de tratar a arte como hobby com argumentações do tipo: Tem gente que faz filme com quase nada, com parcerias, etc, etc. A arte não é apenas hobby. Para se dedicar a um trabalho e fazê-lo bem, de forma séria, profissional é preciso desenvolver uma série de questões em volta do trabalho, Para isso as pessoas envolvidas precisam de tempo, para ter tempo as pessoas precisam estar seguras com sua sobrevivência e isso é feito por meio do dinheiro que ela ganha com seu trabalho. Se a pessoa trabalha na padaria para se sustentar ela só poderá se dedicar ao seu projeto artístico nas horas vagas, que provavelmente são pouquissimas. Do contrário, se a arte é seu trabalho, a sua forma de subsistência ela poderá se dedicar exclusivamente ao seu projeto por que seu trabalho será remunerado, o que garante um melhor desenvolvimento do projeto. É assim que as coisas ganham qualidade: pelo tempo que lhe é dedicado. Por tanto, GANHAR DINHEIRO FAZENDO ARTE É COMO GANHAR DINHEIRO FAZENDO QUALQUER OUTRA FUNÇÃO. ARTE NÃO É HOBBY. Pode até ser, mas não precisam ser se sua motivação não é se distrair. Então ganhar dinheiro com arte não pode ser vista como “capitalismo selvagem”. Ganhar dinheiro com arte é receber remuneração por um trabalho, como qualquer outro. Arte gera empregos (direção, atores, figuração, fotografos, figurinistas, cenografos, produção executiva, produção, contadores, advogados, iluminadores, maceneiros, camareiras, eletricistas, etc etc etc. ) Então vamos parar de ver a arte como ocupação e não como trabalho. Não se trata de capitalismo, se trata de movimento econômico que beneficia a centenas de pessoas, milhares, em grandes produções. RESUMO: ARTE É TRABALHO E DEVE SER REMUNERADA COMO TAL. VER A ARTE COMO MERA OCUPAÇÃO E HOBBY FRAGILIZA A CONSTRUÇÃO DE UMA BASE ARTÍSTICA FORTE.

    O audiovisual, como qualquer outro tipo de arte, tem mesmo que ser política de governo, afinal a arte molda cidadãos, é um ponto estrategico na construção de uma nação forte, orgulhosa e que se desenvolve de forma saudável. Por isso a arte não pode ficar a mercê dos interesses da iniciativa privada que só pensa em lucro. É por isso que nós temos tantos problemas com as leis de incentivo. Porque se deram incentivos fiscais, mas deixaram nas mãos da iniciativa privada decidor o que eles querem ou não financiar. Daí essa distribuição escrota de renda na qual os pequenos grupos teatrais, os pequenos produtores audiovisuais, disputam quantias mínimas para a construção do seus projetos, enquanto grandes produções da Broadway, ou filmes com atores da Globo recebe milhões. Mas esse comportamento da iniciativa privada é apenas reflexo de ações que foram implementadas a muito tempo atrás: os valores do star system norte-americano, afinal, a iniciativa privada só quer lucro e o lucro é dado pela maioria. Se a maioria valoriza o que aparece na televisão, que por sua vez alimenta os valores implantados há muito tempo, como o já mencionado sonho americano, é claro que os interesses que servem a esse sistema ainda estão sendo colhidos. Uma cultura autossustentável começa muito antes de “abandonar os produtores culturais” a sua própria sorte. A autossustentabilidade começa numa mudança de mentalidade, numa educação de acesso e valorização da cultura. Quando essa base for feita, aí sim, podemos sonhar com a autossustentabilidade. Antes disso é uma ingenuidade, para não dizer completa ignorancia de como nossa sociedade é construída em termos de passado e presente. Não é uma discussão superficial. Ela realmente deve ser debatida com mais reflexão do que o mero achismo automático pautado na informação de massa.

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  • 13 de janeiro de 2020 em 23:42
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    Quero ser atriz como faço

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