Revista de CINEMA em Cannes

Por Rodrigo Fonseca, de Cannes

 

Domingo é fim de festa para o balneário de Cannes, na França, pois a 68ª edição de seu festival anual estará chegando ao fim, com a projeção do documentário “La Glacê et lê Ciel”, de Luc Jacquet, e a entrega dos prêmios locais, em especial a Palma de Ouro, que tem entre seus favoritos um ícone de um cinema politizado: o italiano Nanni Moretti. Seu novo filme, “Mia Madre”, carregado de tintas autobiográficas, é centrado na peleja de uma cineasta (Margherita Buy) para aproveitar os últimos dias de saúde de sua mãe, que está morrendo. Em paralelo, a diretora prepara um filme sobre as classes operárias de sua Itália, usando um astro canastrão americano, Barry Huggins (John Turturro), em seu elenco. A trama é a deixa que Moretti precisa para construir uma metáfora das agonias morais de sua pátria e falar das crises da indústria cinematográfica – a mais comercial e a mais autoral, com a qual se alinha – num exercício de metalinguagem. Embora já tenha levado uma Palma para casa, em 2001, com “O Quarto do Filho”, Moretti pode integrar agora o séquito seleto de diretores que ganharam a láurea máxima de Cannes duas vezes (ao lado de Emir Kusturica, Francis Ford Coppola e Michael Haneke). Nesta entrevista à Revista de CINEMA, ele fala sobre suas metas estéticas, simbólicas e afetivas.

 

Revista de CINEMA – Podemos entender a mãe agonizante como uma metáfora para as doenças morais – as moléstias econômicas sobretudo – da Europa ou a sua leitura para o filme é mais dos afetos e menos da política? 

NANNI MORETTI: O filme pertence a quem vê, embora eu não goste de ver pêlo em ovo e nem tenha a habilidade de analisar o que eu mesmo faço. Isso vai para a crítica. Meu papel é apenas de fundir momentos de dor e instantes de alegria nas tramas que filmo, pois é a minha forma de espelhar a vida, em sua contraditória habilidade de deixar em paralelo fatos dolorosos e fatos divertidos. O que há de consciente acerca da situação da Europa, especificamente da Itália, é uma percepção do que restou de nossa grandeza passada.

Revista de CINEMA – O que existe de Nanni Moretti na cineasta interpretada por Margherita Buy no filme?

NANNI MORETTI: Existe muito de mim que não será entendido ou sequer percebido fora da Itália, onde eu tenho um perfil bem definido junto ao público e à crítica. Em meu país, os filmes que faço são visto em referência às posições políticas que assumo, à minha forma de me portar diante das câmeras. Mas fora de lá, ninguém sabe dessa persona que me atribuíram. Sou apenas um homem que filma. Essa pessoa está em “Mia Madre”, mas lá virou uma mulher. Sempre quis uma mulher para representar os sentimentos que busco abordar. Este é um filme que trança imaginação e sonho. Filme filmado na tela e filme filmado na realidade. Não poderia ter como protagonista alguém com a objetividade dos meus personagens masculinos.

Revista de CINEMA – John Turturro levou Cannes às gargalhadas e é um dos favoritos ao prêmio de melhor ator, sobretudo pelo fato de o júri ser presidido pelos irmãos Joel e Ethan Coen, dos quais ele é um colega de trabalho constante. O que ele acrescentou a “Mia Madre”?

NANNI MORETTI: Fora todo o respeito que eu tinha pelo ator Turturro, fui, ao longo dos anos, ficando encantado pelo trabalho dele como diretor. A gente se conheceu aqui mesmo na Croisette, em 1998, quando ele concorreu com “Illuminata” e eu com “Aprile”. A experiência dele em conduzir sets facilitou muito a nossa relação e ele me trazia ideias que complementavam o personagem. Fora isso, ele tem uma relação pessoal com a Itália, o que nos aproximava.

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