Em busca de afeto

Chico Teixeira chamou muita atenção com seu segundo longa, a ficção “A Casa de Alice” (2007), que acompanha o dia a dia de uma manicure em torno dos 40 anos, e suas relações familiares conturbadas sexualmente. O filme percorreu festivais como Berlim, San Sebastián, Rotterdam, entre outros, e foi bastante premiado. Apenas sete anos depois, Teixeira conseguiu finalizar seu longa seguinte, “Ausência” (2014), jogando um novo olhar sobre as relações familiares paulistanas, mantendo a densidade narrativa apoiada nos conflitos sexuais e afetivos de seus personagens. Após um ano do lançamento no Festival do Rio, de onde saiu com os prêmios de melhor ator e especial do júri, o filme, que acompanha a vida de Serginho (Matheus Fagundes), um garoto de 15 anos, que se torna o homem da casa após o pai abandonar a família, enfim, chega às salas de cinema, com estreia prevista para 26 de novembro. No meio do caminho, “Ausência”, produzido pela Bossa Nova Films, ganhou as telas, entre outros, do Festival de Berlim, na mostra paralela Panorama, e do Festival de Gramado, onde venceu como melhor filme, direção, roteiro e trilha musical.

As confusões afetivas das descobertas sexuais 

Em “Ausência”, após a renúncia do pai, Serginho precisa assumir, justamente, o papel precoce de provedor. Ele, porém, não está preparado para isso. Chico Teixeira investiga, a partir dessa premissa, o que move esse garoto, entre o dever e o abandono. Serginho tenta encontrar afeto onde pode, seja na mãe alcóolatra e relapsa, seja no irmão de cinco anos, seja nos amigos que fez na feira onde trabalha, caso de Mudinho e Silvinha, seu interesse romântico, seja no professor Ney, para quem leva as compras da feira e mantém uma relação ambígua. “Isso é uma coisa minha. Nas minhas perdas pela vida, seja de morte, como a do meu pai, seja de amizade, ou de um amor, o que fazia com isso? Como lidar com esse buraco? Colocava alguma coisa dentro. Um novo namoro, um novo amor, outro amigo. Isso desde pequeno. A morte é meio difícil substituir, ou um pai, uma mãe. Mesmo assim você consegue aliviar um pouco essa dor da ausência”, comenta Chico Teixeira, que estreou no longa-metragem com o documentário “Carrego Comigo” (2000), sobre as relações entre irmãos gêmeos.

Na busca pelo afeto, Serginho confunde amor com afeto e com sexo. “Ele tem as confusões dele, não tem estrutura de vida. Ele não sabe se é homossexual, se não é. Com essa idade, ainda não sabe o quer. Ele se perde. Tem ciúme de outro menino que frequenta a casa do professor. Ciúme de quê? Ciúme primitivo, animalesco, do que ele acha que é dele. Ele se sente muito traído. O efeito que eu quis é: ‘traído por quê?’ Fica essa pergunta, que acho muito bom não ser respondida. Porque ele tem 15 anos”, explica.

Teixeira conta que “Ausência”, cujo orçamento total foi de R$ 4,4 milhões, apareceu da observação do cotidiano após uma crise criativa. “Nos dois anos em que viajei com ‘A Casa de Alice’, não conseguia escrever uma história nova, ficava angustiado. Não tinha percebido que ‘A Casa de Alice’ estava dentro de mim ainda. Resolvi relaxar e ver o que acontecia emocionalmente comigo nesses lugares por onde viajava. Nessas andanças, comecei a notar crianças com gente mais velha, um garoto de doze com um menino de quatro. Achava tão bonito – aquele menino que nem é adulto cuidando de um outro. É tão difícil cuidar de alguém. Resolvi escrever a partir desse sentimento. Escrevia tudo que sentia, sem história. E a história foi surgindo. Um menino que vira adulto antes do tempo. Será que são crianças também esses meninos que têm que cuidar de alguém antes do tempo? Não conversei com eles, ficou tudo na minha cabeça. Só assim estaria falando de algo que me angustia”, conta Teixeira, que filmou “Ausência” ao longo de seis semanas, entre o final de setembro e outubro de 2013.

Retratos sobre a classe média baixa paulistana

Tanto em “A Casa de Alice” quanto em “Ausência”, Chico Teixeira se voltou para o universo da classe média baixa paulistana. Seu interesse não é político ou sociológico, mas afetivo, tentando desvendar os sentimentos muito autênticos de uma classe com privações de ordens diversas. “Sinto que a classe média baixa – posso estar erradíssimo, não tem nada de pesquisa, não sou antropólogo, nem sociólogo – me passa mais carinho, sinceridade. Parece que você, assumidamente, sabe o que é, as condições que a vida colocou a você. Acho que tem mais humanidade. Posso estar falando uma besteira gigantesca, mas é como sinto”, pontua Teixeira.

As palavras do cineasta apontam para o papel que os sentimentos têm em seus filmes. O mundo parece ser enxergado por ele por um viés passional e seus filmes materializam essa visão. A própria escolha de São Paulo como cenário e residência parece fruto disso. Nascido no Rio de Janeiro, em 1958, formado em economia, o cineasta trocou o Rio por São Paulo com 21 anos. “Ela me pulsa mais verdade”, explica. Seus longas tendem a filmar uma São Paulo longe dos cartões postais, bairros largados pelo oficialesco.

O caráter passional também dimensiona seus roteiros. A história de Alice (Carla Ribas) e de Serginho são intimistas. Suas revelações e anseios despontam mais de gestos nuançados do que de diálogos. Tudo é muito internalizado; cabe à câmera desvendar essas expressões. Por isso, aliás, a preferência por filmar com planos fechados e uma câmera mais solta. “Os planos fechados me trazem muito mais emoção. Você consegue ver muito mais os personagens por dentro, ele está grande na tela, nada desvia seu olhar. Sinto, quando vejo filmes com planos mais fechados, uma coisa de introspecção. Meus filmes são todos internos, fechados, dentro de casa. O filme pede para mim um plano mais fechado”, comenta. “Quanto aos planos mais soltos, mais livres, gosto de pegar o movimento mais natural das pessoas, deixar a câmera solta no olhar, ver o que ele está vendo. Me passa mais dinamismo também. A câmera parada é de uma solidão, é de um abandono enorme. Um quadro com um vazio, por exemplo, é de uma angústia enorme. Adoraria fazer um filme completamente parado, um filme de angústia, as coisas entram e saem”, complementa.

Cena de “Ausência”, com Gilda Nomacce e Matheus Fagundes: relações verdadeiras de afeto

A escolha de Serginho 

“Ausência” conta, no elenco, com nomes recorrentes do cinema brasileiro dos últimos dez anos, caso de Gilda Nomacce, como a mãe, e de Irandhir Santos, como o professor Ney. Gilda, desde a estreia no cinema, em 2007, com o curta “Um Ramo”, de Marco Dutra e Juliana Rojas, já emplacou oito longas, entre eles, “Trabalhar Cansa” (2011) e “Quando Eu Era Vivo” (2014), e mais de 25 curtas. Já Irandhir, desde a estreia em “Cinema, Aspirinas e Urubus” (2005), de Marcelo Gomes, participou de 15 longas, incluindo “Tropa de Elite 2” (2010) e “A Febre do Rato” (2011). A escolha para o protagonista, o jovem Serginho, foi, porém, um pouco mais trabalhosa.

Fátima Toledo, além de preparar o elenco, foi a responsável pelo casting. Foram testados quase 500 meninos de 14, 15 anos. Fátima acompanhava todos os testes e fazia uma pré-seleção, só então Chico Teixeira olhava o material. Se nada lhe interessasse, ele revisava todo o material. Foram fazendo triagens até chegar em oito, quatro, dois e um, enfim, escolhido. No processo, porém, houve contratempos. “A gente teve uma primeira escolha que não foi o Matheus Fagundes, era outro garoto. A aparência dele era muito boa. Era magro, tinha o nariz para baixo, andava meio corcunda, andava com passo largo, meio mal humorado, não sorria muito. Gostei dele. Achei um garoto sofrido. No primeiro dia de preparação do elenco, que trabalharíamos o Serginho junto com os outros personagens, ele tinha que beijar uma menina, como no filme. Ele não quis e disse que não ia beijar ninguém porque não fazia filme pornográfico. E foi embora. Ainda não tínhamos assinado o contrato. Eu e Fátima resolvemos começar tudo de novo. Pegamos cinco pessoas, incluindo o Matheus, que não tinha ficado na finalíssima. Ele passou pelos meus olhos, não sei por que”, conta Teixeira, que, por fim, escolheu Matheus Fagundes, que, desde então, foi premiado como melhor ator nos festivais do Rio e de Aruanda. Teixeira ainda conta, no elenco, com a chilena Francisca Gavilán, que fez a cantora Violeta Parra em “Violeta Foi para o Céu” (2011), por conta da coprodução com a Wood Producciones e do apoio do Ibermedia.

Novos projetos

Além de lançar “Ausência”, Chico Teixeira desenvolve seu próximo filme, “Dolores”, que passou, em outubro, pela roda de mercado do 6º Brasil Cine Mundi, em Belo Horizonte. O filme é a história de uma mulher de classe média baixa, que já foi casada, já foi mãe, já trabalhou muito, e agora é avó e aposentada. “Quero falar da grande felicidade dessa mulher de 60 e poucos anos, que está mais velha, mais feia, mais acabadona, com menos energia, mas gosta de viver, está na melhor fase da vida, não precisa trabalhar, não precisa criar filho. Ela sai para a boate, fuma, bebe, joga em cassino clandestino, tem muitas amizades, de pessoas mais jovens, inclusive, ela fala como uma pessoa mais jovem, e tem o coroa dela, da idade dela, com quem ela sai, ela transa, uma transa adulta – não é uma transa de corpos lindos; todo mundo gordo, mais velho mesmo, querendo um dar prazer pro outro. Quando não está com vontade de transar, não vai transar. Quer conversar muito sobre a vida, é um amor muito maduro. Quero falar sobre isso. Ela não quer sexo dentro do carro, já fez tudo isso, ela quer paz, quer o prazer dela no sexo, que é uma paz”, conclui.

 

Assista ao trailer do filme aqui.

 

Por Gabriel Carneiro

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