Legendas: construção de uma fugacidade responsável

Desde a chegada do som no cinema, muito se discutiu sobre a dublagem. Sua escolha em detrimento da legenda teve justificativas de caráter ideológico: razões políticas ligadas ao nacionalismo, à preservação da língua e à aceitação do cinema nacional.

A legendagem implica, para o espectador, uma operação bastante complexa. A tradução deve ser lida na tela no mesmo tempo em que a fala é proferida. Consequentemente, a compreensão envolve duas competências simultaneamente: uma ativa, a leitura, e outra passiva, a audição, mesmo que quem esteja assistindo ao filme não entenda o que está sendo falado. A combinação de ler e (mesmo que involuntariamente) ouvir cria uma situação singular. Na dublagem, aparentemente, a situação é muito mais simples: trata-se apenas de ouvir.

Nos filmes exibidos em cinema, em que décadas de experiência na prática da legendagem permitiram a formação de equipes especializadas e bem treinadas, a legenda, em geral, é de boa qualidade. No cinema, o texto escrito, ainda que necessariamente empobrecido com relação à fala, cumpre bem sua função. O mesmo não acontece com os DVDs e muito menos com os filmes exibidos em televisão.

Há poucos anos, era comum a exibição de filmes na televisão ou em outras mídias com as mesmas legendas com que haviam sido exibidos no cinema. Existe, no entanto, uma diferença muito grande entre as legendas feitas para serem lidas em tela grande e numa tela de TV – a métrica é diferente, o cinema suporta mais toques em cada linha escrita, porque a “varredura” dos olhos é muito maior. Hoje, fazem-se legendas especialmente para a tela pequena – sem que para isto se tenham fixado e desenvolvido de forma sistemática procedimentos testados e adequados.

Mesmo com o aumento na demanda de legendas de filmes para outras telas, não ocorreu o seu aprimoramento. A falta de cursos voltados para formação de legendadores gerou uma classe de profissionais na maioria composta – sempre ressalvando as exceções – por pessoas que, conhecendo uma segunda língua, complementam o orçamento mensal com trabalhos eventuais de legenda. A baixa remuneração, que não estimula o aperfeiçoamento profissional, tampouco atrai os tradutores. O resultado é o predomínio da legenda de má qualidade.

A legendagem mal executada pode distorcer ou diminuir a compreensão do filme. Alguns dos problemas decorrem do conhecimento insuficiente das línguas envolvidas – palavras ou expressões com mais de um sentido em que se opta pela significação errada. Outros problemas comuns são a métrica equivocada, a pontuação ausente ou ambígua, os longos textos que o espectador não tem tempo de ler antes que desapareçam, os que exigem tanto dele que prejudicam a apreensão da imagem, os que ultrapassam o plano a que se referem etc.

A legendagem na América Latina

Qualquer tradutor sabe que a proximidade entre as duas línguas – o espanhol e o português – é uma arma de dois gumes. Se, por um lado, facilita a compreensão do que é falado, simplificando o trabalho de tradução, por outro, conduz a equívocos, quando a sons semelhantes correspondem significados diversos. Um outro problema são os regionalismos, em que termos correntes em determinadas regiões são inteiramente desconhecidos nas demais.

É preciso buscar mecanismos de inteligibilidade que permitam que o diferente não seja neutralizado, mas analisado com a intensidade que merece. Pretendemos empenhar o maior esforço em manter uma estreita fidelidade ao texto oral, não cair em “substitutos diminuídos” da voz original e muito menos na ambiguidade ou no engano.

Acreditamos que às vezes é preferível colocar entre aspas uma palavra regional e sustentá-la. É mais importante perceber que há um “outro que fala”, uma alteridade que se expressa de modo próprio, do que “entender” no sentido mais pobre da compreensão. Entender é compreender o que fala um outro e que há uma distância que deve ser respeitada. O uso de aspas que contenha a palavra original é uma solução sensata ante problemas como a gíria e os regionalismos. Particularmente, no trabalho com documentários, muitas vezes, é preferível manter essa “distância” que a própria oralidade propõe. Trata-se de um exercício responsável e respeitoso dessa alteridade.

O desafio está finalmente no esforço de sustentar essa voz original com palavras certeiras, destituídas de ambiguidades e conscienciosamente pesquisadas. E, se não se encontram essas palavras, trata-se então de não violentar o registro diverso de um “outro” que fala.

 

Por Sylvia Regina Bahiense Naves, coordenadora de Gestão Estratégica da Secretaria do Audiovisual, desenvolve as ações da Recam, e responsável pelo tema da acessibilidade audiovisual na Secretaria

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