Vaidade em primeiro plano

Uma das grandes consequências de sermos, durante décadas,  colônia cultural norte-americana é a nossa tendência natural de equalizar, por baixo, nossos paladares. Explico. Imagine se fôssemos, por exemplo, colônia gastronômica norte-americana: seríamos vorazes consumidores de hot dogs e/ou hambúrgueres e teríamos muita dificuldade para acostumar e educar nossos paladares a outros tipos de iguarias. A analogia é válida para o produto cultural em geral e para o cinema em particular. O histórico, eterno, constante e incessante bombardeio da indústria cultural estadunidense sobre o público brasileiro nos tornou, com o passar dos anos, um consumidor que estranha paladares diferenciados. Fomos, e ainda somos, tão condicionados à estética comercial estadunidense de se fazer cinema que boa parte da população estranha se um filme não tem final feliz, se não tem cenas de perseguição, se não tem viradinha de roteiro aos 30 minutos, se a última cena não é feita com grua etc., etc., etc. Cinematograficamente falando, o grande público quer cachorro quente e torce o nariz para pratos mais refinados.

Toda esta introdução para falar de “A Vingança Está na Moda”, quinto longa da diretora australiana Jocelyn Moorhouse, bastante badalada e premiada por suas direções anteriores, como “A Prova” e “Colcha de Retalhos”. O ponto de partida do filme é “The Dressmaker”, livro de estreia da escritora também australiana Rosalie Ham – mais conhecida por suas peças de teatro e roteiros de rádio – publicado em 2000. O roteiro foi adaptado a quatro mãos pela própria diretora e por P.J. Hogan, roteirista também do premiado “O Casamento de Muriel”, filme aliás produzido por Jocelyn.

Na nossa eterna ânsia típica de crítico de cinema de rotular e contextualizar a tudo e a todos, pode-se dizer que “A Vingança Está na Moda” começa em clima de western. As primeiras cenas mostram a bela e sofisticada Myrtle (Kate Winslet) retornando à sua suja, árida, poeirenta e subdesenvolvida cidade natal. Pessimamente recebida pela própria mãe (Judy Davis), Myrtle sabe que também será mal vinda por praticamente todos os habitantes do lugarejo. Eles próprios sujos, áridos, poeirentos e subdesenvolvidos. E o público logo saberá que sua volta, assim como nos melhores faroestes, é motivada por uma profunda sede de vingança.

O diferencial de “A Vingança Está na Moda” é que o instrumento do qual a protagonista lançará mão para empreender seu dantesco plano de vingança é nada mais nada menos que a cultura da vaidade. Tendo estudado moda nas principais capitais da Europa, e possuidora ela própria de um notável senso de erotização, Myrtle tem plena consciência da força destruidora dos ciúmes, da competitividade social e da exacerbação da autoestima. Ela sabe como um colante vestido vermelho pode ser mais letal que um três-oitão.

Contudo, o que mais instiga, tanto no roteiro como na direção, é a maneira como o filme não deixa o espectador se instalar em sua zona de conforto. “A Vingança Está na Moda” se introduz como um western, flerta com a comédia, insinua o drama, despeja ácidas doses de crítica social, flana pelo romance, retorna ao drama, brinca com o suspense, ou seja, faz questão de não seguir nenhuma daquelas formulazinhas sydfieldianas que já contaminaram o paladar comum dos ávidos consumidores de hot dogs. Isso, se por um lado causa estranheza de uma boa parte da plateia, por outro lado é elemento de frescor para quem busca um cinema diferenciado. Ao misturar gêneros e subverter seus cânones, “A Vingança Está na Moda” tem o grande mérito de conseguir fazer o que poucos filmes da atualidade conseguem: surpreender. O que não é pouco.

Com direção de arte estilizada, cores fortes e montagem ágil, o filme lembra a fase de ouro do cinema australiano dos anos 70 e 80, momento em que a famosa terra dos cangurus nos deu ótimas obras como “Mad Max”, “Galipolli, “The Coca Cola Kid”, “O Ano que Vivemos em Perigo” e tantos outros filmes que sabiam mesclar como poucos a inventividade de uma boa trama com um invejável arcabouço estilístico-visual.

Entre os filmes mais premiados de seu país no ano passado, “A Vingança Está na Moda” recebeu 12 indicações da Academia de Cinema Australiana. Uma a mais que o festejado “Mad Max: Estrada da Fúria”.

 

A Vingança Está na Moda | The Dressmaker
Austrália, 118 min., 2014
Direção: Jocelyn Moorhouse
Distribuição: Imagem Filmes
Estreia: 19 de maio

 

Por Celso Sabadin, crítico de cinema

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