As linhas de atuação da nova gestão da SAv

Depois da chegada de Marcelo Calero ao posto de Ministro da Cultura do governo do presidente interino Michel Temer, foi anunciada, no começo do mês de junho, a nomeação de Alfredo Bertini para o cargo de Secretário do Audiovisual. Economista e diretor do Cine PE – festival de cinema de Pernambuco, que completou 20 edições neste ano – ao lado da mulher, Sandra Bertini, o novo gestor da SAv assume a pasta em momento crítico na política brasileira.

Nesta entrevista para a Revista de CINEMA, ele prometeu dar continuidade aos editais já lançados para a produção e enfatizou o objetivo de reaproximação com a Agência Nacional do Cinema (Ancine) para rediscutir as bases do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA). Segundo Bertini, a proposta é “repactuar a governança do audiovisual” no Brasil.

 

Revista de CINEMA – Para começar, eu queria perguntar sobre as suas metas primordiais neste momento, depois das suas primeiras reuniões com o ministro Marcelo Calero. O que já ficou decidido? O edital de Baixo Orçamento (B.O.), por exemplo, vai ser mantido?

Alfredo Bertini – Vai, vai ser mantido, sim. Tudo o que já estava traçado está sendo mantido. O edital de Baixo Orçamento, o da Diversidade, que contempla os projetos da raça negra, e também o infantil. Eles estão todos mantidos. Não alterou absolutamente nada. As comissões já estão constituídas e são as mesmas comissões julgadoras, eu também não mexi. Eu as consultei para saber, até porque algumas poderiam não querer participar, mas todas mantiveram suas participações. Então, o que já estava traçado, eu não mexi em absolutamente nada. Esses editais inclusive já foram lançados, os projetos já estão aqui e as comissões já vão recebê-los para avaliá-los. O que vem de novo e que ainda estou organizando é o edital para projetos de filmes infanto-juvenis, para a faixa adolescente.

Revista de CINEMA – E não mudaram os valores dos editais, ficou tudo mantido para seguir o calendário e a meta inicial?

Alfredo Bertini – Não, não mudou absolutamente nada. 

Revista de CINEMA – Com relação ao VOD Brasil, que era um projeto que o ex-secretário Pola Ribeiro tinha deixado adiantado, com previsão inicial de lançamento para o final deste ano, como ficou?

Alfredo Bertini – Eu estou retomando essa discussão do VOD agora. Até a última reunião do Conselho Superior de Cinema, isso ficou também em aberto, um dos conselheiros pediu vista do processo. É um assunto que tem interesse muito grande e, na retomada agora da revista Filme Cultura, porque ela vai voltar, um dos temas que eu estou propondo é exatamente esse. A gente tem isso hoje mais como uma questão prioritária do ponto de vista do conteúdo do audiovisual, porque é a tendência do mercado pelo o que a gente está acompanhando. Mas só vamos estabelecer algumas decisões depois que isso passar pelo Conselho Superior de Cinema e pelo restabelecimento dessa governança da política do audiovisual. A gente vai olhar com todo o carinho para essa questão do audiovisual sob demanda.

Revista de CINEMA – Esse prazo, então, não será concretizado?

Alfredo Bertini – Não, a gente vai rever tudo isso. A gente vai rever a questão do VOD.

Revista de CINEMA – O ex-secretário tinha falado inclusive sobre os licenciamentos da Programadora Brasil, que já estavam em andamento.

Alfredo Bertini – Olha, a Programadora Brasil estava parada, estou retomando agora e nós vamos restabelecer a médio prazo. A gente está botando no mesmo pacote a Programadora, a volta da revista Filme Cultura, o Cine Mais Cultura e os NPDs [Núcleos de Produção Digital]. Nós estamos dando uma nova roupagem para quatro projetos que estavam parados ou semiparados. Nós vamos trabalhar em sintonia com o Ministério da Educação e disponibilizar o material que está licenciado mediante uma curadoria apropriada para bibliotecas, para as escolas e preparar o ambiente para o VOD. Serão três etapas. Nós vamos lançar a Filme Cultura no Festival de Gramado, nós vamos fazer uma apresentação e divulgar o planejamento. Essa dinâmica será uma retomada dos projetos dando funcionamento de, primeiro, oferecer produto para as escolas, trazer os NPDs como questão prioritária também para dentro das escolas, e partir de uma biblioteca, que é uma zona de referência para a gente começar a trabalhar pontos de núcleos audiovisuais. Para você ter uma ideia, tem mais de 900 títulos e 150 a 200 mil DVDs que precisam ser distribuídos. Mesmo que essa tecnologia esteja até defasada, porque é DVD, isso pode dar um suporte muito grande às bibliotecas. Esse material é da Programadora Brasil, mas está guardado na Cinemateca Brasileira. Essa ideia a gente vai lançar no Festival de Gramado, em agosto, com a presença do ministro, que deve ir também. Estamos na etapa de verificar os licenciamentos, que tipo de conteúdo é adequado para as escolas. Esta é uma primeira etapa. Depois, com este modelo funcionando, a gente pode avançar para um modelo VOD com outros produtos licenciados para difusão.

Revista de CINEMA – Para esta nova gestão, também já foi mencionada uma aproximação com as universidades para um estudo de consumo. Como isso vai acontecer na prática?

Alfredo Bertini – Sim, vai acontecer, mas vai levar um tempo, é um estudo de longo prazo e absolutamente necessário no mercado audiovisual, que é demanda e consumo. Vai ser um estudo complexo, porque nós vamos envolver as universidades federais, os departamentos de economia de algumas universidades. Eu venho da minha formação de economista e da universidade também. Nós vamos construir uma página bacana, de estudar verdadeiramente a demanda do audiovisual, do cinema, da TV aberta, da TV por assinatura, do VOD, da banda larga e etc., para que a gente possa ter esse estudo mais orientador para a formação de políticas públicas depois. O que acontece hoje? Nós temos soluções de acesso. Vou te dar um exemplo: eu disse a você que eu vou lançar um edital para infanto-juvenil. É uma das ideias para o público adolescente. Muito bem. Mas eu não sei o que o público adolescente quer. Não sei se quer série, não sei se quer filme, se quer jogos, ou se quer um pouco disso tudo. Como é que você formula políticas se você não conhece o consumo? Nos últimos tempos, a gente só olhou pelo lado da oferta. Tome ofertar, tome ofertar! E a gente não conhece o público. Esse é o desafio. Claro que nós não vamos resolver essa questão inicialmente com um prazo curto e simplesmente com a pesquisa. Mas a pesquisa vai dar um balizamento. É de longo prazo, tem que ser segmentada. A gente pode começar estudando cinema, depois estudando o veículo TV e, numa terceira etapa, estudando o VOD, quando a gente já vai ter mais elementos de como está funcionando o VOD no Brasil. A gente pode escalonar esse trabalho e ter um melhor conhecimento de como funciona a dinâmica pelo lado da demanda, que é absolutamente complexo e representa hoje 0,7% do PIB brasileiro, que é maior do que a indústria de vestuário, de autopeças, a farmacêutica. Para onde a gente se vira hoje tem alguém consumindo audiovisual. Eu sento no avião e logo vejo uma pessoa jogando no celular ou baixando um vídeo. Está todo mundo consumindo audiovisual hoje.

Revista de CINEMA – E essas universidades já foram escolhidas? 

Alfredo Bertini – Não, nós estamos iniciando esse processo. Ontem mesmo começamos a tratar do Termo de Referência. Sendo universidades federais, não teremos problemas de trabalhar em termos de governo, porque estão na mesma linhagem. Eu não posso usar, por exemplo, uma Fundação Getúlio Vargas, que tem competência para tal, ou o Insper, que é tão competente quanto, porque isso demandaria algum tipo de processo licitatório, de chamamento. Mas a gente pode envolver um pool de três, quatro universidades ou de departamentos de economia que estejam estudando bem esse segmento, o segmento do setor de serviços de uma forma geral, não necessariamente entretenimento e audiovisual, mas que tenham foco no setor terciário. Isso eu posso arquitetar bem pela minha formação. A gente pode reunir esses professores especialistas em métodos quantitativos, não é só o conhecimento de macro e microeconomia, mas também de métodos quantitativos. É, de fato, uma pesquisa científica, não é uma pesquisa de mercado que você vai ouvir uma pergunta simplesmente. Vai ser uma análise científica e estatística adequada. Isso eu quero deixar como um legado, o início desse trabalho, para que a gente possa de fato fazer a coisa correta. Você só conhece o mercado pela demanda, só o audiovisual é que a gente não sabe até hoje. Aí você lança um filme que os especialistas apontam que ele vai fazer “mais de 1 milhão de espectadores” e acabam frustrados porque não faz 1 milhão. E aquele que você acha que não faz 3, às vezes faz 4. É muita intuição, muito empirismo, e pouca base científica para a gente entender realmente o mercado.

Revista de CINEMA – Mas vai haver algum tipo de chamada pública para essas universidades?

Alfredo Bertini – Não, não precisa. Elas são órgãos federais.

Revista de CINEMA – Sim, claro. Mas e se muitas se interessarem e quiserem participar, como vai ser esse processo?

Alfredo Bertini – Pode ter quatro, cinco professores de universidades diferentes. Como é órgão federal, eu preciso fazer diretamente um convênio. Se eu fosse fazer um chamamento, aí eu poderia abrir para institutos como Insper e Fundação Getúlio Vargas. Para ganhar velocidade de resposta – porque esses editais levam muito tempo e como a gente tem a possibilidade de trabalhar com universidades federais diretamente firmando convênio direto sem precisar dos processos burocráticos –, é muito melhor. E é uma questão de escolha. Tem departamento que se interessa, outro que não se interessa. E a gente vai avaliar por um Termo de Referência. 

Revista de CINEMA – Será um convite direto da própria SAv para essas universidades então?

Alfredo Bertini – É, a gente vai formar um convênio. Por exemplo: se a universidade de Minas Gerais tem uma quantidade maior de professores interessados, a gente faz um convênio com a Universidade Federal de Minas e o professor do Rio Grande do Sul, o professor de Pernambuco, o professor da UNB se agregam à equipe, como consultores. Essa é uma pesquisa muito grande e vai precisar de mão-de-obra e de ações descentralizadas. A gente vai estudar as cinco regiões do país e é importante ter ao menos um professor de cada região. 

Revista de CINEMA – Com relação ao Fundo Setorial do Audiovisual, o senhor falou recentemente que a SAv tentaria uma aproximação maior com a Ancine. Como está esse diálogo e quais são os objetivos neste momento?

Alfredo Bertini – O ministro da Cultura já deixou isso muito claro, e eu também entendo dessa maneira, que a gente precisa rediscutir o Fundo Setorial e a gestão dele. O ministério e a SAV precisam estar mais próximos dessa discussão. Ao longo do tempo, foi uma questão praticamente exclusiva da Ancine e a nossa visão não é essa. Nossa visão é de um entendimento de todo o setor. Do ponto de vista da gestão pública, e aí envolve ministério, SAv, Ancine, e do ponto de vista da contemplação. A gente tem um setor absolutamente significativo, que vem de uma base formada lá embaixo, de pessoas que operam na formação, de pessoas que operam na infraestrutura, que lutam pela preservação da obra audiovisual, passa por produção de diversos níveis, por distribuição e exibição em diversos níveis também. É uma cadeia gigantesca e a gente entende que o Fundo Setorial tem que olhar para toda essa cadeia. Eu passei um terço da minha vida no mundo acadêmico e sei respeitar a História, porque sou filho de uma professora de História. É inadmissível que você tenha hoje problemas de preservação, como na Cinemateca e no CTAV, e que não haja recursos para isso. Um fundo que tem recursos do próprio setor tem que atender a toda a cadeia do setor e ser destinado à formação técnica aqui e fora do país, tem que ser destinado para questões de preservação. Eu estou batendo na tecla da preservação porque acho de fundamental importância que sejam valorizadas e preservadas as obras, que fazem parte da nossa história, da história audiovisual do país.

Revista de CINEMA – Nesse sentido, a proposta da SAv seria de criar linhas adicionais para o FSA?

Alfredo Bertini – A gente tem que rever o fundo na aplicação de recursos para que possam contemplar, por isso que eu digo que é uma questão de contemplação, para que a gente possa contemplar a cadeia produtiva como um todo. O fomento não deve ser apenas direcionado para a produção ou para a distribuição, ou parte só para a exibição e para determinados setores. Tem que ser todos os setores. Se você tem parte da cadeia que não é contemplada e que vai depender dos minguados recursos orçamentários do ministério, quando o próprio setor gera recursos através da contribuição da Condecine e que poderiam dar soluções para problemas históricos que tem vivido o audiovisual. A gente tem uma proposta absolutamente de ter um novo entendimento, uma nova discussão, uma revisão da aplicação dos recursos do Fundo Setorial. É isso que eu chamo, e fui até mal interpretado, de uma repactuação da governança do audiovisual. Essa governança tem que ser revista em cima também da base principal de receita do setor, que é o Fundo Setorial do Audiovisual. Isso vai ter que ser discutido, mas é justo destinar 3% ou 4% para a preservação? Eu acho que é. Vamos ter que discutir isso. São aspectos que nós precisamos repactuar e é essa a intenção do Ministério da Cultura e da SAv, entendendo também os papeis de cada um. Qual é o papel da Ancine, que é majoritariamente o papel de regular e fiscalizar o mercado, e as competências do ministério, que é, na verdade, o executor de políticas públicas, não é uma agência reguladora.

 

Por Belisa Figueiró

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