Crescimento e ameaça

A partir de maio, duas ocorrências marcaram a atividade televisiva no Brasil. A primeira, positiva, é a confirmação do crescimento do público da TV por assinatura: no primeiro trimestre de 2016, foram registrados, em média, mais de dois milhões de espectadores por minuto. Significa que a audiência desse segmento aumentou 100% nos últimos três anos. A pesquisa foi divulgada pela Associação Brasileira de Televisão por Assinatura (ABTA), que também traz a informação que a perda de assinantes que aconteceu em 2015, consequência dos preços altos dos pacotes de assinatura e da crise econômica, diminuiu consideravelmente este ano. Neste momento, o número de usuários desse segmento está se aproximando dos 20 milhões.

Significa também que o mercado de trabalho para produtores, roteiristas, diretores, fotógrafos, atores, técnicos e toda a gama de profissionais envolvida na atividade foi consideravelmente ampliado. Alguns analistas consideram, embora não tenhamos dados comprovados sobre isso, que a produção audiovisual brasileira como um todo (incluindo a produção para cinema) também cresceu em 100%, recebendo uma oxigenação repentina que nunca havia acontecido no Brasil. Essa aceleração se deve basicamente à Lei da TV por Assinatura, uma providência da Ancine que, além de ampliar o mercado de trabalho, resultou no surgimento de novas programadoras e de novos canais com um perfil diferenciado da TV paga que tínhamos antes, com geração de conteúdo e estratégias de programação voltadas para a qualidade artística e conexão com as expectativas de um vasto contingente de espectadores insatisfeitos com a oferta da TV aberta.

Vale a pena salientar a citada evolução qualitativa e também os novos modelos negociais dessas emissoras, criativos, contemporâneos, desenhados segundo as necessidades específicas de cada uma delas, desenvolvendo um novo tipo de relação entre criação e programação, entre canal e empresas produtoras. São emissoras pequenas, enxutas, mas com capacidade para administrar um número grande de projetos, respondendo à altura a garantia de recursos prevista na Lei da TV por Assinatura e operada pela Ancine.

Situação de perigo

A segunda ocorrência, negativa, é a ameaça de mudanças indevidas ou mesmo fatais na TV pública. Após a tentativa do governo interino de Temer de acabar com o Ministério da Cultura, abortada graças a uma reação de artistas, intelectuais, estudantes e trabalhadores da cultura que se estendeu por todo o país, respaldada pela sociedade, o novo alvo do governo é a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), operadora da TV Brasil e também a referência institucional para os parâmetros que devem reger a definição e a atuação do campo público televisivo. O governo interino e atrapalhado de Temer já atuou no sentido de interferir na independência dos canais públicos, intenção até o momento barrada por uma liminar, mas ainda em curso na Justiça.

Em Brasília, corre o boato de que o governo interino já tem sobre a mesa uma medida para deletar tal independência, que estaria esperando para se tornar realidade ou não as reações da opinião pública a respeito. Ou seja, para evitar que outro tiro no próprio pé, como foi a lambança da extinção do MinC, seja disparado. O governo estaria esperançoso em um desinteresse social pelo assunto como blindagem para sua ação inconstitucional. Como pano de fundo para mais uma ação desastrada do governo, está o fato de que a televisão brasileira, como a de vários outros países, está assentada sobre três sistemas: o público, o estatal e o comercial, também dito privado. O governo sabe o que é a TV comercial, cuidando dos interesses de grupos econômicos, e a TV estatal, atuando em nome do governo (como a NBR e os canais legislativos e judiciários).

Mas parece não saber, ou não quer saber, o que é a TV pública, que atua em nome da sociedade e, portanto, deve ser gerida e programada por um conselho eleito pela sociedade civil organizada, sem qualquer interferência governamental. Os sistemas são diferenciados e complementares e, sobre a TV pública, é saudável lembrar a definição direta e esclarecedora de Mário Covas, ex-governador de São Paulo: é uma TV em que “o governo paga, mas não manda”. Quanto à reação da sociedade em relação a uma intervenção do governo na TV do povo, estava se esboçando no momento em que escrevo, na última semana de junho.

Testemunhei, na abertura do Florianópolis Audiovisual Mercosul, uma flamejante manifestação popular em defesa da cultura nacional em que a manutenção da campanha de apoio ao MinC (que continua em todos os rincões do Brasil) estava somada à defesa da independência da TV Pública. Tenho notícia de que a TV Brasil foi incluída em outras manifestações cívicas republicanas. Mas esse posicionamento tem de ter ampla visibilidade, como foi no caso do MinC. Ou isso ou o desastre de uma grande perda, um roubo do nosso futuro, uma aberração em um país democrático. Todos temos de nos manifestar com relação ao assunto, a sociedade tem de assumir, como um todo e em qualquer circunstância, que o campo público da televisão é uma conquista cidadã e, como tal, intocável, inalienável.

 

Por Orlando Senna, escritor e cineasta

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