Os meus vinte e poucos anos

“Jovens, Loucos e Mais Rebeldes” é o mais novo filme de Richard Linklater, aquele que Kent Jones, um dos maiores críticos dos EUA, costuma dizer ser o cineasta mais subvalorizado da história recente do cinema americano. Talvez, Jones tenha razão. Linklater é uma espécie bem particular de outsider industrial. Seus filmes talvez constituam o conjunto mais “experimental” do cinema narrativo de sua época. “Slacker” (1991), “Jovens, Loucos e Rebeldes” (1993) e seu mais novo “Jovens, Loucos e Mais Rebeldes” não têm propriamente uma trama, ao menos, não no sentido mais convencional do termo. Linklater experimentou Hollywood (“Escola de Rock”) e o docudrama (“Bernie”), criou uma trilogia que registra a relação entre dois personagens ao longo de vinte anos (“Antes do Amanhecer”, “Antes do Pôr do Sol” e “Antes da Meia-Noite”), rodou um filme sobre um menino, acompanhando-o por 12 anos (“Boyhood”), e ainda dirigiu duas animações rotoscópicas – sendo uma delas uma adaptação de Philip K. Dick (“O Homem Duplo”) e a outra, um longa sobre um rapaz que sonha e não consegue acordar (“Waking Life”). É realmente difícil pensar em outro cineasta americano que tenha tentado tantas e diferentes coisas sem jamais perder a sua voz.

“Jovens, Loucos e Mais Rebeldes” é um típico Linklater, mais um rito de passagem geracional marcado por uma delimitação temporária (as aulas que começam em pouco mais de três dias) e povoado por espíritos inquietos que, diante dos desafios da autenticidade e da autodefinição, experimentam diferentes maneiras de se encarar o mundo e as grandes questões da vida. Estamos nos anos 1980. Jake (Blake Jenner) acaba de chegar à universidade e logo consegue uma vaga na equipe de beisebol, passando a morar na casa que serve de alojamento para o time. Lá, ele faz amigos, entre novatos e veteranos, que o ajudam a se enturmar neste ambiente repleto de diversão, competição e camaradagem, e a enfrentar as liberdades e responsabilidades da vida adulta que enfim se inicia. Em “Jovens, Loucos e Mais Rebeldes”, Linklater dá continuidade a um projeto de tons autobiográficos, conjugando sua faceta atlética e extrovertida com a metade sensível e artística de “Boyhood”.

Linklater recria o mundo do início dos anos oitenta com afeto: são as músicas, as roupas, os cortes de cabelo, os bigodes e os jogos de videogame. São estes detalhes tão pequenos, aparentemente insignificantes, que evocam com carinho, não somente uma época, mas, sobretudo, uma imagem daquela época. A observação e os planos mais longos também ajudam neste que, muitas vezes, mais parece um estudo antropológico. Estes jovens aspirantes a jogadores de beisebol profissional são muito competitivos. Sua vontade de vencer manifesta-se em todos os aspectos de suas vidas, desde quem usa o banheiro primeiro ou fuma mais maconha até as mais estúpidas apostas e jogos. “Jovens, Loucos e Mais Rebeldes” não é exatamente uma celebração triunfalista da masculinidade jovial e aflorada de seus jovens personagens. Eles são festeiros, porém, não arruaceiros; são cheios de si, embora não sejam adeptos do bullying. Na verdade, eles têm lá as suas máscaras.

“Jovens, Loucos e Mais Rebeldes”, como o próprio título brasileiro anuncia, é uma espécie curiosa de “sequência espiritual” de “Jovens, Loucos e Rebeldes”. Este último, se passa na escola. O primeiro se desenrola na faculdade. Os personagens adolescentes de “Rebeldes” se rebelam contra as forças opressoras que ainda governam suas vidas – sobretudo, a escola e a família. Os jovens de “Mais Rebeldes” estão tentando entender o que fazer com toda a liberdade que de uma hora para a outra caiu em suas mãos. Este é o drama de Jake. É muito bom estar no controle. É preciso aproveitar este momento. Mas com cuidado. Suas ações agora serão determinantes. Elas podem afetar aquilo que você é ou vai ser. Quem é você?

Linklater sabe dosar o clima de festa que dá ritmo ao filme com a consciência crescente da parte de seus personagens de que este é um momento passageiro – um dos personagens do filme é expulso do time quando descobrem que havia mentido sobre sua idade. Quer dizer: embora estejam vivendo o melhor dos mundos, os heróis de Linklater estão sempre lidando com pequenas inadequações, inseguranças e a certeza de que as habilidades que os levaram até ali têm data de validade e/ou podem se mostrar absolutamente insignificantes num futuro próximo. “Jovens, Loucos e Mais Rebeldes” leva a sério tanto os desafios da maioridade quanto o otimismo de nossos vinte e poucos anos. Linklater, como de costume, acredita piamente na capacidade de seus personagens de encontrar seus respectivos caminhos, em vez de simplesmente aceitarem os imperativos que os cercam. É uma combinação de ansiedade asfixiante de um lado e liberdade embriagante do outro, que nos aproxima dos personagens, e, em seus melhores momentos, de nossa versões mais jovens.

 

Jovens, Loucos e Mais Rebeldes | Everybody Wants Some!!
EUA, 117 min., 2015
Direção: Richard Linklater
Estreia: 20 de outubro

 

Por Julio Bezerra, crítico de cinema

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