Audiovisual se consolida como economia de mercado

Já vai mais de uma década que o crescimento do mercado audiovisual brasileiro vem se desenhando em uma curva ascendente, o que mais uma vez comprova estudos oficiais revelados recentemente, muitos deles mostrando o impacto das políticas públicas que atuam diretamente no setor, nos últimos anos. O levantamento mais recente foi divulgado pela própria Agência Nacional do Cinema (Ancine) e pela MPA (Motion Picture Association), que representa a indústria de Hollywood no Brasil, em parceria com o SICAV (Sindicato Interestadual da Indústria Audiovisual). Na prática, esses resultados de expansão da difusão interna, do cinema e TV, e das exportações, vão desde o fenômeno nacional e internacional de “Galinha Pintadinha”, por exemplo, até a venda expressiva no setor de TV de obras, formatos e remakes para o exterior. Pela primeira vez, as atividades vinculadas ao segmento de TV por assinatura ultrapassaram o de TV aberta.

O IBGE fez uma detalhada pesquisa, encomendada pela Ancine, para demostrar o tamanho e de que forma ocorreu o crescimento do setor audiovisual, responsável por gerar uma renda de R$ 24,5 bilhões na economia brasileira, em 2014. No ano de 2007, esse número estava na ordem de R$ 8,7 bilhões. Segundo Manoel Rangel, diretor presidente da Ancine, essas cifras da atividade audiovisual ficam atrás apenas das dos setores de telecomunicações (R$ 69 bilhões), serviços de tecnologia e informação (R$ 58,1 bilhões) e fabricação de veículos automotores (R$ 51,3 bilhões). E à frente da fabricação de celulose (R$ 22,6 bilhões), produtos farmacêuticos (R$ 18,8 bilhões), equipamentos de informática e produtos eletrônicos (R$ 16,8 bilhões) e produtos têxteis (R$ 12,9 bilhões).

Produção independente para TV ajudou no crescimento

O levantamento mostra como, pela primeira vez, as atividades vinculadas ao segmento de TV por assinatura, o que inclui a produção de conteúdo audiovisual e a sua distribuição, ultrapassaram o de TV aberta. No período entre 2007 e 2014, a principal mudança se deu entre os segmentos de TV aberta e TV fechada, foi a queda nos canais abertos de 22,2%, enquanto os pagos cresceram 21,4%. Em 2014, segundo a Ancine, o segmento de TV fechada foi responsável por mais de 50% do valor adicionado pelo audiovisual, pela primeira vez. Ou seja, foi a atividade dentro do setor audiovisual com maior geração de renda.

Isso demonstra como o setor audiovisual cresceu 66%, entre 2007 e 2013, o que equivale a uma expansão contínua de 8,8% ao ano, no período. O maior crescimento está ligado ao número de canais de TV paga dedicados à veiculação de conteúdos brasileiros. Em 2002, eram apenas dois canais, já, em 2015, esse número saltou para 19, registrando um crescimento de 950%. Ao mesmo tempo, também foi expressivo o crescimento do número de assinantes de TV paga: 3,5 milhões, em 2002, para 19,6 milhões, em 2015 (alta de 560%).

Manoel Rangel, presidente da Ancine, mostra através de pesquisa e estudo como o mercado audiovisual bateu recordes na geração de renda © Júnior Aragão

No cinema, o setor de exibição está em ascensão

A exibição cinematográfica também é outro destaque do levantamento realizado pelo IBGE e divulgado pela Ancine. Se, em 2002, o Brasil tinha apenas 1.635 salas, em 2015, o total era de 3.005, um crescimento de 184%. Com isso, o número de ingressos vendidos também registrou um salto importante: de 90 milhões para 173 milhões, alta de 192%. Nessa comparação, a Ancine também destaca o número de espectadores de filmes nacionais, de 7,2 milhões para 22,4 milhões (alta de 311%), assim como o número de filmes brasileiros lançados nessas mesmas salas: de 29 para 129 (crescimento de 445%), no mesmo período.

Embora os números sejam bastante favoráveis para o setor como um todo, os dados do MPA/SICAV acabam inserindo esses números em um contexto mais amplo e problematizando algumas questões. Em termos de expansão da exibição, por exemplo, a MPA reforça que dessas 3.005 salas, 60% estão localizadas em municípios com mais de 500 mil habitantes. Ou seja, por mais que tenha havido um crescimento da demanda no segmento de exibição e nas políticas públicas de incentivo à construção de novas salas e ampliação do parque exibidor, o acesso da população ainda é restrito, “uma vez que a expansão tem se concentrado em cidades de médio e grande porte, nas quais não existem grandes restrições de acesso”.

Outro problema ainda é com relação ao preço médio do ingresso e à tributação. Em 2013, o valor correspondia a 0,6% da renda per capita mensal do brasileiro, enquanto na Argentina essa proporção era de 0,5%; no México, 0,4%; na Alemanha, 0,3%; e na França, 0,2%. A tributação no Brasil, de acordo com o estudo da MPA, é de 30,25% do preço do ingresso.

A digitalização das salas, para a MPA, também é motivo de comemoração. Mas está diretamente ligada à exigência das próprias majors estadunidenses, segundo a associação. Se, em 2012, 31,1% das salas estavam digitalizadas, esse número pulou para 95,7% no primeiro trimestre de 2016. “Este salto decorreu, sobretudo, do anúncio feito pelos grandes estúdios norte-americanos de que, a partir de 2015, deixariam de operar com a distribuição de filmes em películas, limitando-se somente à distribuição em formato digital. Com isso, o port­fólio de títulos disponíveis em salas não digitalizadas tornou-se bastante limitado”, descreve o texto da MPA.

Exportação saltou de US$ 13 para US$ 85 milhões em um ano

Os números tornam claro, no setor de exportação do audiovisual, cujas produtoras e distribuidoras navegavam, praticamente, no escuro, no que tange ao mercado externo, os tipos de produtos mais exportados e os países que mais adquiriram esses serviços. Se, em 2014, os serviços técnicos ligados à produção e pós-produção concentravam as exportações, em 2015, foram os licenciamentos de conteúdo que dominaram as vendas, segundo a agência. Ao todo, somando os licenciamentos e cessões de direitos, foram US$ 85 milhões, em 2015, contra US$ 13 milhões, em 2014. Já a produção e pós-produção, estavam na ordem de US$ 33 milhões, em 2014, e subiram para US$ 42 milhões, em 2015.

O filme de animação “O Menino e o Mundo”, vendido para mais de 100 países, é um dos exemplos do crescimento das exportações no setor audiovisual

Em números globais, o total de exportações ainda é inferior às importações. Isto é, embora os produtores estejam conseguindo vender mais para o exterior e alcançar novos mercados, o Brasil ainda importa muito mais, principalmente conteúdos estrangeiros licenciados. Em 2015, as exportações cresceram 110,1%, com um total de US$ 154 milhões (em 2014, foram US$ 73 milhões), mas as importações seguiram em alta, com total de US$ 1,5 bilhão, em 2015.

Dentre os países que mais adquiriram os licenciamentos brasileiros e serviços de produção e pós-produção, especialmente em 2015, estão: Estados Unidos, Reino Unido, Uruguai, Argentina e Alemanha. Em 2014, a listagem da Ancine também incluía: França, Portugal e Suíça. Sendo assim, esses poderiam ser considerados como os países-alvo dos produtores brasileiros, de acordo com os dados dos últimos dois anos.

Mercados-alvo dos brasileiros 

Para os produtores, os Estados Unidos se confirmam como um dos mercados mais almejados. Leonardo Barros, sócio da Conspiração Filmes, conta que a produtora exporta filmes, programas de TV e direitos de remake dos seus filmes para o mundo todo, porém o mercado estadunidense aparece com mais recorrência na sua lista. Os longas-metragens “Eu, Tu, Eles”, “Casa de Areia” e “Rio Eu te Amo” tiveram distribuição internacional e foram vendidos para, praticamente, todos os continentes, incluindo países como Estados Unidos, Canadá, França, Japão, Alemanha, Austrália, Inglaterra, China, Rússia e territórios do Oriente Médio, Escandinávia e da própria América Latina.

O filme “A Mulher Invisível” teve os direitos adquiridos para remake nos Estados Unidos, na Turquia e na Itália; assim como “O Homem do Futuro” foi licenciado para adaptações na Coreia do Sul. Os dois longas-metragens foram dirigidos por Cláudio Torres e o primeiro chegou a virar uma série e foi exibida pela TV Globo.

A série documental “André Midani – Do Vinil ao Download”, da Conspiração Filmes, já está com distribuição internacional garantida pela distribuidora EuroArts, da Alemanha © Dan Behr

Segundo Barros, para coproduções cinematográficas, o foco da Conspiração segue sendo a Europa, especialmente, os países com os quais o Brasil mantém acordos oficiais de coprodução, além do Canadá, que é um mercado-alvo para a produtora. Para a televisão, as produções musicais e os documentários são os conteúdos mais exportados. Como destaque, ele cita a série documental “André Midani – Do Vinil ao Download”, dirigida por Andrucha Waddington e Mini Kerti, e realizada em parceria com o canal GNT, que já foi vendida para o distribuidor EuroArts, baseado na Alemanha, que fará a distribuição mundial.

Embora as vendas internacionais representem uma parte ainda pequena das receitas da Conspiração, Barros acredita “fortemente no futuro das exportações”, principalmente de direitos dos remakes e nas vendas de programas e formatos. É uma aposta que, para ele, está valendo a pena.

Leonardo Barros, sócio da Conspiração Filmes, exporta filmes, programas de TV e direitos de remake dos seus filmes para o mundo todo

Os tipos de filmes que conquistaram o mercado externo

A diretora executiva da distribuidora Elo Company, Sabrina Nudeliman Wagon, também investe diretamente no mercado internacional e aponta alguns dos caminhos que ela vem traçando nos últimos anos. Apesar de considerar o sucesso das vendas internacionais da premiada animação “O Menino e o Mundo” uma exceção, ela acredita no potencial de exportação das séries de animação e documentários para além do território brasileiro.

“O Menino e o Mundo” foi vendido para mais de 100 países, segundo Sabrina, incluindo os Estados Unidos, cujo mercado ela considera como “bem difícil de entrar”, embora a experiência com a animação tenha sido positiva. O documentário “Espaço Além – Marina Abramovic e o Brasil”, representado pela Elo Company, também vai estrear por lá em breve e já foi vendido para a Itália, Hungria, Romênia, Tailândia, Malta, Dinamarca, Bélgica, Rússia, além da estreia mundial pelo Vimeo.

O filme “Espaço Além – Marina Abramovic e o Brasil”, que em breve estreará nos EUA, já foi vendido para a Itália, Hungria, Romênia, Tailândia, Malta, Dinamarca, Bélgica e Rússia

Em um panorama mais amplo, Sabrina considera a América Latina como um território mais acessível para a exportação do conteúdo brasileiro, assim como os países de língua portuguesa. Em segundo lugar, ela destaca os países europeus para documentários e filmes independentes que tiveram destaque em festivais internacionais, além do potencial intrínseco das coproduções realizadas pelos produtores brasileiros, que acabam ganhando a chancela de dupla nacionalidade na Europa.

Em termos de receita, Sabrina não entrega os números da sua distribuidora, mas indica alguns parâmetros: “Eu diria que um produto pequeno pode ficar feliz se conseguir uma receita bruta de mais que US$ 50 mil em exportação. Porém, quando o filme quebra a barreira da América Latina, pode-se pensar em uma receita maior que US$ 1 milhão”.

Sabrina Nudeliman, diretora executiva da Elo Company, há uma década atuando na venda de nossos produtos para o mercado internacional, agora mira a América Latina

O fenômeno “Galinha Pintadinha”

Um dos casos de maior sucesso, não apenas nacional, mas também internacional, é o da “Galinha Pintadinha”, da Bromélia Produções. Totalmente voltada para o público infantil, a personagem se tornou um fenômeno no meio digital e nasceu de um videoclipe animado lançado no Youtube, em 2006. Inicialmente, segundo o site oficial da produtora, o desenho fazia parte de um projeto que foi apresentado em um pitching para um canal de TV e que acabou sendo rejeitado. No entanto, ao ser redescoberta pelo público na internet, a Galinha virou febre e, desde então, os números só crescem exponencialmente.

O gerente da produtora, Miguel Moreira, conta que o primeiro passo de internacionalização da “Galinha Pintadinha” foi adaptar o conteúdo para o espanhol para ter acesso ao público hispânico pelo Youtube. Atualmente, o canal brasileiro registra mais de três bilhões de visualizações e o hispânico vem logo atrás, com dois bilhões de acessos. A personagem também já está disponível com canais próprios em inglês e italiano, e, com tanta receptividade, a produtora está igualmente investindo nas adaptações para o alemão, mandarim, japonês e francês.

Miguel Moreira, gerente da Bromélia Produções, levou o sucesso infantil “Galinha Pintadinha” para diferentes plataformas no Brasil e no mundo

A distribuição se estendeu para outros aplicativos e plataformas, incluindo a Netflix. Na versão norte-americana, a Galinha foi rebatizada como “Lottie Dottie Chicken”; nos clipes em espanhol ela ganhou o nome de “Gallina Pintadita”.

“Criamos estratégias para manter a personagem lá fora e, uma delas, foi criar uma subsidiária da Bromélia em Miami, nos Estados Unidos. A chegada a outros países acontece gradativamente”, relata Moreira. O foco da produtora agora é lançar a nova série “Galinha Pintadinha Mini”, sendo que a primeira temporada terá 26 episódios de 11 minutos.

“Faremos o lançamento no cinema e a expectativa é de que seja uma experiência diferente para os pequenos acompanhados de seus pais. Após o cinema, iniciaremos também a distribuição através das plataformas digitais, DVD etc.”, adianta o produtor.

 

Por Belisa Figueiró

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