Festival paraibano cria mostra para filmes realizados sob o céu do Nordeste

Por Maria do Rosário Caetano

 

A 11ª edição do Festival Aruanda do Audiovisual Brasileiro terá sua sessão inaugural nesta quinta-feira, 8 de dezembro, em João Pessoa, Paraíba, e prosseguirá até dia 14, quando serão entregues os troféus Aruanda aos vencedores de duas mostras: a competição oficial (com sete longas-metragens) e a mostra “Sob o Céu Nordestino”, com cinco filmes (neste segmento, serão apresentadas produções que têm o Nordeste como tema ou cenário).

Para a noite de abertura, foi escalado o documentário baiano “Axé, Canto de um Povo de um Lugar”, de Chico Kertész. Na noite de encerramento, outro documentário, “Pitanga”, de Beto Brant e Camila Pitanga, registro da trajetória do ator baiano Antônio Sampaio, o Pitanga, um dos preferidos de Glauber Rocha. Dá para antever a reação bem-humorada da plateia, que deverá lotar a sala premium da Rede Cinépolis, no Shopping Manaíra, quando o ator confessar que, por razões erótico-amorosas, não atuou em “O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro” (filme que rendeu a Glauber a Palma de Ouro de melhor diretor, em Cannes).

A história narrada por Pitanga é divertidíssima e ganha ainda mais tempero com o depoimento da atriz Ítala Nandi. Depois de tornar-se conhecido em filmes do Ciclo Baiano (“Bahia de Todos os Santos”, “A Grande Feira” e “Barravento”), Antônio Sampaio, que adotaria em definitivo o nome de seu personagem (Pitanga) no filme de Trigueirinho Neto, mudou-se para o Rio e tornou-se um dos mais requisitados atores do Cinema Novo. Na segunda metade dos anos 1960, agregou-se à trupe do Teatro Oficina, comandado por Zé Celso Martinez Correia. Encantou-se com a inventividade do encenador, com a liberdade que rolava no grupo e, em especial, com suas atrizes.

Pitanga afirma que não atendeu ao convite de Glauber (que o dirigiria depois em “Câncer” e “A Idade da Terra”), porque estava comprometido com a montagem de uma peça. Mas não nega que razões erótico-amorosas o prendiam a São Paulo (o “Dragão da Maldade” foi filmado na Bahia). Ítala Nandi, com saborosa malícia, provoca: “confessa, Pitanga, você estava apaixonado por mim”. O sorriso cúmplice do ator, um namorador inveterado, nos convence que ela está certíssima.

"Pitanga", de Beto Brant © Matheus Brant

Em “Pitanga”, prêmio da Crítica na Mostra Internacional de São Paulo, o ator fala também de sua arrebatadora paixão por Vera Manhães, bailarina e atriz, mãe de seus filhos Camila e Rocco Pitanga. Hoje, Vera, que atuou no filme “A Moreninha”, com Sonia Braga, e na novela “Bandeira 2”, de Dias Gomes, vive recolhida numa casa de saúde. Mas, há que se registrar, não há espaço para tristezas em “Pitanga”. O filme é uma celebração à vida, protagonizada por menino negro e pobre da Bahia de todos os santos, que chegou longe na arte da representação e na política (ao lado da atual mulher, Benedita da Silva, que governou o Rio de Janeiro).

Duas competições

Na competição nacional, o Fest Aruanda conta com filme dos mais festejados e reconhecidos: “Era o Hotel Cambridge”, de Eliane Caffé. O quinto longa-metragem da realizadora paulistana foi premiado pela Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema) no Festival do Rio e ganhou o Prêmio Spcine de melhor ficção na Mostra Internacional de São Paulo. Realizado como obras similares que apostam no “território expandido” (ou seja, filmes que rompem a fronteira entre a ficção e o documentário), “Era o Hotel Cambridge” soma dois atores profissionais (José Dumont e Suely Franco) a ocupantes filiados ao MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) e refugiados (a maioria de guerras do Oriente Médio e África). Um filme de raras qualidades e imenso impacto.

"Era o Hotel Cambridge", de Eliane Caffé

No momento em que o cinema feminino chama atenção especial, mais duas mulheres têm filmes na competição oficial do Aruanda: a atriz Leandra Leal estreia como diretora em “Divinas Divas”, sobre travestis que fizeram do palco seu templo, e Emília Silveira, que participa das duas competições do festival paraibano. Na mostra oficial, com seu terceiro longa, “ Silêncio no Estúdio”, sobre Edna Savaget (1928-1998), escritora e apresentadora de TV que vocacionou seu olhar ao público feminino. Um de seus livros mais conhecidos (“Silêncio no Estúdio – O Árduo Caminho que Conduz à Luz, Câmara, Ação!”) emprestou nome ao filme. Na mostra “Sob o Céu do Nordeste”, Emília apresentará “Galeria F”, sobre preso político (Theodomiro Romeiro dos Santos), que revê os lugares onde se escondeu durante fuga clandestina. A cineasta carioca está concluindo seu quarto longa-metragem, “Antônio Callado” (sobre o escritor niteroiense, cujo centenário será comemorado em 2017).

O time masculino do Fest Aruana forma-se com quatro realizadores. Charly Braun apresenta “Vermelho Russo”, deliciosa comédia filmada integralmente em Moscou, na Rússia, e protagonizada pelas atrizes Martha Nowill e Maria Manoela.

Os outros três concorrentes têm histórias ligadas ao teatro ou à TV: Guilherme Weber, Thiago Luciano e Caio Sóh. Weber disputa o Troféu Aruanda com o alegórico “Deserto”, filmado na Paraíba (com Lima Duarte, Cida Moreira, Magali Biff e grandes nomes do teatro nordestino). Thiago Luciano mostrará “Fica Mais Escuro Antes do Amanhecer”, com Caco Ciocler, Imara Reis e Lucy Ramos. Caio Sóh – como Emília Silveira – tem dois filmes nas duas competições paraibanas: “Canastra Suja”, na mostra oficial, e “Por Trás do Céu” (este filmado na Roliúde Nordestina, especificamente no Lajedo do Pai Mateus). “Canastra Suja” reúne elenco de famosos: Adriana Esteves, Marco Ricca, Bianca Bin e Pedro Nercessian.

A programação da mostra “Sob o Céu Nordestino” completa-se com o paraibano “Pedro Osmar: Prá Liberdade que se Conquista”, de Eduardo Consonni e Rodrigo Marques, sobre compositor nordestino muito festejado na região, “Cícero Dias, o Compadre de Picasso”, de Vladimir Carvalho, e “O Crime da Cabra”, de Ariane Porto e Tereza Aguiar. Estes filmes somam-se aos cariocas “Galeria F” e “Por Trás do Céu”.

Homenagens

O Festival Aruanda vai prestar homenagem aos 80 anos do pesquisador, cineasta e gestor cultural Wills Leal, por seus 80 anos. Ele foi o grande incentivador da Roliúde Nordestina. O projeto de transformar o sertão paraibano numa “Roliúde tropical” vive, porém, momentos muito difíceis. Rarearam os recursos de apoio ao projeto (fomentado em seus melhores momentos pelo Banco do Nordeste) e poucos produtores têm se arriscado a filmar lá.

As homenagens do festival se estenderão, ainda, em caráter in memoriam, a mais dois paraibanos: o teledramaturgo Péricles Leal (1930-1999) e o cineasta e montador Manfredo Caldas (1947-2016), que morreu semanas atrás, em Brasília. O pernambucano Geneton de Moraes Neto (1956-2016), jornalista e cineasta, que faleceu em agosto último, também será lembrado.

A contribuição de Péricles Leal à TV brasileira será tema de mesa-redonda idealizada por seu amigo, o ator Lima Duarte. Manfredo será lembrado com a exibição do longa “O Romance do Vaqueiro Voador” e Geneton, com “Dossiê Globonews”, dedicado ao cineasta Vladimir Carvalho.

A programação do Festival Aruanda inclui debates, seminário, oficinas, lançamentos de livros (incluindo “Os 100 Melhores Filmes Brasileiros”, parceria Abraccine-Letramento-Canal Brasil) e passeios turísticos pela capital paraibana e arredores. O mais badalado de todos tem como destino a Praia Naturista de Tambaba, dedicada ao nudismo. Convidados do festival vão, também, a Cabaceiras, pequena cidade situada depois de Campina Grande, em pleno sertão nordestino. O município, que detém um dos mais baixos índices pluviométricos do país, é conhecido como sede da Roliúde Nordestina e como capital nacional do bode, o bicho, não o estado d’alma. É conhecido, também, por contar com magnífica formação rochosa, o tal Lajedo do pai Mateus, cenário de mais de vinte longas e curtas-metragens brasileiros. Entre os quais, destacam-se “O Auto da Compadecida” e “Romance”, ambos de Guel Arraes, “Cinema, Aspirina e Urubus”, de Marcelo Gomes, “São Jerônimo” e “Garoto”, ambos de Júlio Bressane, “Canta Maria”, de Francisco Ramalho Jr” e “Cabaceiras”, de Ana Bárbara.

COMPETIÇÃO OFICIAL:

“Era o Hotel Cambridge”, de Eliane Caffé (SP)
“Divinas Divas”, de Leandra Leal (RJ)
“Silêncio no Estúdio”, de Emília Silveira (RJ)
“Vermelho Russo”, de Charly Braun (SP)
“Deserto”, de Guilherme Weber (RJ)
“Canastra Suja”, de Caio Sóh (RJ)
“Fica Mais Escuro Antes do Amanhecer”, de Thiago Luciano (SP)

MOSTRA SOB O CÉU NORDESTINO:

“Pedro Osmar: Prá Liberdade que se Conquista”, de Consonni & Marques (PB)
“O Crime da Cabra”, de Ariane Porto (SP)
“Galeria F”, de Emília Silveira (RJ)
“Por Trás do Céu”, de Caio Sóh (SP)
“Cícero Dias, o Compadre de Picasso”, de Vladimir Carvalho (DF)

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