Retrospectiva reúne obra completa de Antonioni

Trinta e quatro filmes do diretor, roteirista e produtor italiano Michelangelo Antonioni, o único cineasta, além de Robert Altman, a conquistar os três maiores prêmios do cinema europeu – a Palma de Ouro em Cannes por Blow-Up – Depois daquele Beijo, o Leão de Ouro em Veneza por Deserto Rosso – O Dilema de Uma Vida, e o Urso de Ouro em Berlim por A Noite – estarão na retrospectiva Aventura Antonioni, em cartaz no CCBB Rio de Janeiro e no CCBB São Paulo, de 26 de abril a 22 de maio e, no CCBB Brasília, de 3 a 29 de maio. Na capital paulista, a mostra também será exibida no CineSesc, de 11 a 17 de maio.

Serão apresentados, em película 35mm ou em digital, em cópias diretamente cedidas pela Cinecittà Luce, desde os poucos vistos documentários de curta-metragem dirigidos por Antonioni até as suas colaborações finais com cineastas como Wim Wenders, Steven Soderbergh e Wong Kar-Wai, passando pela fase mais conhecida, de obras-primas como a “trilogia da incomunicabilidade” (A AventuraA Noite e O Eclipse), Deserto Rosso – O Dilema de uma Vida, Blow-Up – Depois Daquele BeijoZabriskie Point e Passageiro: Profissão: Repórter.

O curador Paulo Ricardo Gonçalves de Almeida selecionou também alguns títulos nos quais Antonioni assinou como roteirista – Um Piloto Retorna, de Roberto Rossellini, e Abismo de um Sonho, de Federico Fellini, que foi inspirado no curta L’Amorosa Menzogna, de Antonioni –, e assistente de direção – Trágica Perseguição, de Giuseppe De Santis, e Tempestade, de Alberto Lattuada, no qual dirigiu as cenas de interiores. E ainda alguns filmes que homenageiam o cineasta, como Antonioni-Hitchcock: A Imagem em Fuga, de Júlio Bressane, e os documentários Faire un Film Pour Moi C’Est Vivre, de Enrica Antonioni, e Michelangelo Antonioni, Lo Sguardo Che Ha Cambiato Il Cinema, de Carlo Di Carlo e Sandro Lai.

A programação da mostra traz também, com entrada franca, uma sessão inclusiva, com closed caption e audiodescrição, um debate e uma aula magna. A sessão inclusiva será de Amores na Cidade, filme em seis episódios dirigido por Antonioni, Fellini, entre outros cineastas. O debate sobre a obra de Antonioni, com tradução simultânea de libras, terá participação do pesquisador, escritor e diretor João Carlos Rodrigues e da Doutora em Filosofia Ana Beatriz Antunes Gomes, em Brasília, e de . E a aula magna “Antonioni overground” será com o crítico e historiador italiano Adriano Aprà.

Além da aula magna, Adriano Aprà tem outra participação importante em Aventura Antonioni – ele editou o livro-catálogo da mostra, com filmografia comentada, fotos, ensaios e entrevistas. Aprà é um dos maiores historiadores do cinema italiano e um dos nomes fundamentais da crítica européia desde os anos 70. Colaborador da revista Filmcritica e cofundador de Cinema e Film, dirigiu os festivais de cinema de Salsomaggiore (nos anos 70 e 80) e de Pesaro (na década de 90) e a Cineteca Nazionale, em Roma, entre 1998 e 2002. Editou livros de cineastas como Jean-Luc Godard, Jean-Marie Straub, Roberto Rossellini  e Michelangelo Antonioni.

Em Brasília, um debate reunirá os professores Mike Peixoto, pesquisador de estética e teoria cinematográfica, e João Lanari Bo, escritor e autor do livro Cinema Japonês, com mediação do curador Paulo Ricardo Gonçalves de Almeida. O debate terá tradução em libras e entrada gratuita. Em São Paulo, o debate, que terá tradução simultânea em libras, contará com a presença dos jornalistas Fernando Oriente e Flávia Guerra.

Detentor dos maiores prêmios dos principais festivais de cinema do mundo, responsável por dar início ao que a crítica chamou de “segunda fase do neorrealismo italiano”, Michelangelo Antonioni ajudou a definir o filme como uma arte moderna. Seu cinema, difícil de catalogar, influenciou uma geração de realizadores e abriu espaço para a abordagem das complexidades da vida de personagens da era contemporânea.

Roland Barthes, o grande crítico, sociólogo, escritor e filósofo francês, defendeu, em 1980, durante cerimônia em que Antonioni foi premiado com o Archiginnasio d’oro, de Bolonha, três virtudes em Antonioni: observação, sabedoria e fragilidade. Por observação, segundo Barthes, entende-se o dom do diretor em examinar e olhar o mundo detidamente, ao invés de tentar muda-lo. Antonioni trabalhava as sutilezas do que é dito e visto, como se o sentido de seus filmes continuasse mesmo depois da saída do cinema.

A sabedoria de Michelangelo Antonioni, para Barthes, era que o diretor estava convencido de que não existia uma só verdade e sim que esta oscila no decorrer da experiência humana. Então, ao mesmo tempo em que as imagens de seus filmes não ocultam nada, tampouco são óbvias. Sempre há mais a ser dito e refletido.

Por fim, Barthes defende a fragilidade como virtude em Antonioni, já que o diretor correu sempre o risco de fazer tombar certezas convencionais. E, para o filósofo, a atividade do artista desperta receio justamente por perturbar a comodidade, a segurança e a opinião unânime.

Michelangelo Antonioni admitia sua necessidade de expressar a realidade para além dos termos estritamente realistas. Ele não explorou a livre fantasia, como seu contemporâneo Federico Fellini (1920-1993), nem se ajustou a um realismo duro e popular, como o Roberto Rossellini (1906-1977) de Roma, Cidade Aberta (1945) – embora seu primeiro trabalho, o documentário Gente do Pó (1943-1947), tenha sido precursor do neorrealismo italiano. O primeiro filme de ficção de Antonioni, Crimes da Alma (1950) inaugurava uma segunda fase do celebrado movimento italiano, dando mais atenção à psicologia dos personagens.

Antonioni foi um dos observadores mais incisivos das ambiguidades da vida moderna. Seus filmes defendem liberdade dos clichês morais e abordam as ambivalências e confusões enfrentadas pelas personagens mais do que a mera sobrevivência. Para abordar esta temática sutil, ele desenvolveu um estilo visual e auditivo único.

Michelangelo Antonioni nasceu em 29 de setembro de 1912, de uma família de classe-média, na cidade de Ferrara. Estudou economia na Universidade de Bolonha, onde cofundou um grupo teatral. Enquanto se dedicava à pintura e trabalhava em diferentes posições da indústria cinematográfica, Antonioni escrevia críticas para a revista “Cinema”, editada por Vittorio Mussolini, filho do Duce, que reuniu em seus quadros a geração que iniciaria o neorrealismo após a Segunda Guerra Mundial: Giuseppe De Santis, Carlo Lizzani, Luchino Visconti, Roberto Rossellini e Federico Fellini.

Em 1947, Antonioni dirigiu seu primeiro filme, o curta-metragem documentário “Gente do Pó”, retrato dos pescadores do vale do Pó onde ele cresceu. Insatisfeito com os rumos neorrealistas do cinema italiano, ele dirigiu uma série de curtas documentários oblíquos e excêntricos, que revelavam seu desejo de explorar os mistérios da psique interior das personagens.

A consagração internacional de Michelangelo Antonioni ocorre no Festival de Cannes de 1960, quando, em meio a vaias do público e aplausos entusiasmados de colegas artistas e cineastas, apresentou “A Aventura”, com o qual ganhou o Grande Prêmio do Júri. Com “A Noite” e “O Eclipse”, todos realizados com a então companheira Monica Vitti, “A Aventura” compõe a chamada “trilogia da incomunicabilidade”, considerada um dos momentos mais altos do cinema em todos os tempos.

Em 1985, Antonioni sofre um AVC que o deixa praticamente sem fala. Mas o diretor não para de produzir e assina outras sete obras antes de falecer aos 94 anos em 2007. Numa parceria com Win Wenders fez “Além das Nuvens” (1995), adaptação de um texto próprio, Bowling Sul Tevere, protagonizado por John Malkovich. Já doente, em cadeira de rodas, faz questão de prestigiar a exibição do filme “Eros”, em 2005, seu último trabalho, partilhado com Wong Kar Wai e Steven Soderbergh, no qual assina o episódio “O Fio Perigoso das Coisas’.

Consulte a programação completa da mostra em bb.com.br/cultura.

 

Mostra Aventura Antonioni
Data: 26 de abril a 22 de maio no CCBB-SP e CCBB-RJ, 3 a 29 de maio no CCBB-DF e 11 a 17 de maio no CineSesc
Locais: CCBB-SP – R. Álvares Penteado, 112 – Centro; CCBB-RJ – Rua Primeiro de Março, 66 – Centro; CineSesc –  Rua Augusta, 2075 – Cerqueira César; e CCBB-DF – SCES Trecho 2

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