Festival de Cannes ano 70

O Brasil vai ao Festival de Cannes, que dá início à sua edição de número 70, nesta quarta-feira, 17 de maio, com representação bem mais modesta que a do ano passado. Está fora da disputa da Palma de Ouro, que só venceu em 1962, com “O Pagador de Promessa”, e do prêmio Olho de Ouro, que conquistou em 2016, com o documentário “Cinema Novo”, de Eryk Rocha.

Caberá ao cineasta carioca Fellipe Gamarano Barbosa, com seu segundo longa-metragem, “Gabriel e a Montanha”, representar o cinema brasileiro na Semana da Crítica (que tem Kleber Mendonça como presidente do Júri) e ao curta mineiro “Nada”, de Gabriel Martins, participar da Quinzena de Realizadores. Vale lembrar que, ano passado, além de conquistar o prêmio de melhor documentário com “Cinema Novo”, o Brasil disputou a Palma de Ouro com “Aquarius”, de Kleber Mendonça.

E que diretor, elenco e produtores protestaram, no tapete vermelho, contra o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Foto do protesto correu mundo e foi publicada em centenas de jornais e exibida em TVs de dezenas de países.

“Gabriel e a Montanha” é uma produção brasileira, rodada integralmente na África (Quênia, Tanzânia, Zâmbia e Malauí), onde um jovem brasileiro, o economista Gabriel Buchmann, colega de escola de Barbosa, morreu tragicamente.

Para se preparar para estudos de pós-graduação nos EUA, Gabriel resolveu percorrer sete países africanos, onde estudou as causas da persistente pobreza que persegue partes do continente. Sem guia, resolveu, no Malauí, escalar o Monte Mulanje. Morreu congelado.

O primeiro longa ficcional do realizador carioca – “Casa Grande” (2015) – chamou atenção por suas inegáveis qualidades e por abordar temas momentosos (relações de classe e racismo), formando seminal trinca com “O Som ao Redor”, de Kleber Mendonça, e “Que Horas Ela Volta?”, de Anna Muylaert. Desta vez, Barbosa soma ficção e documentário para mostrar os dois últimos meses de vida do amigo. Para tanto, entrevistou pessoas que cruzaram com Gabriel, em suas andanças africanas, e ouviu a namorada e a mãe do jovem economista. Para interpretar Gabriel, Barbosa escalou João Pedro Zappa, de “Boa Sorte”. Sua namorada, que foi à África visitá-lo, por três semanas, é vivida por Caroline Abras (“Se Nada Mais Der Certo”). Familiares de Gabriel assistirão ao filme, no domingo, 21, em Cannes, ao lado do diretor.

“Nada” é um curta gerado pelo coletivo Filmes de Plástico, de Belo Horizonte-Contagem, em Minas. Seu diretor, Gabriel Martins, escalou para protagonizá-lo a jovem MC Clara Lima, nome em ascensão no movimento rapper brasileiro.

Russos e coreanos

Na disputa pela Palma de Ouro, cujo júri será presidido pelo espanhol Pedro Almodóvar, estão nomes de grande prestígio internacional, como o austríaco Michael Haneke (“Happy End”), detentor de duas “Palmas” (com “A Fita Branca” e “Amor”), Jacques Doillon (“Rodin”), François Ozon (“L’Amant Double”), Naomi Kawase (“Hikari”), Sofia Coppola (“O Estranho que Amamos”), e Michel Hazanavicius, detentor de um Oscar com “O Artista”, de volta ao mundo do cinema com o “Le Redoutable”, no qual Louis Garrel interpreta Jean-Luc Godard, o “temível” do título.

Dois países, fora França e EUA, sempre com três ou quatro filmes cada um, chamam atenção na competição deste ano. A Rússia, com dois títulos: “Nelyubov”, do autor de magnífico “Leviatã”, Andrey Zvyagintsev, e “Krotkaya”, de Sergei Loznitsa. E a Coreia do Sul, com Hong Sang-Soo (“Geu-Hu”) e Bong Joon-ho, do blockbuster “O Hospedeiro”, com “Okja”. Na noite inaugural, Cannes mostrará “ Os Fantasmas de Ismael”, o novo filme de Arnaud Déspléchin, diretor do notável “Reis e Rainha”. Haverá pré-estreias especiais em Cannes. Uma de “D’Après Une Histoire Vraie”, do franco-polonês Roman Polanski, e outra de “Nos Années Folles”, do francês André Téchiné.

Além de homenagens a diretores notáveis, Cannes sequenciará sua vertente memorialística, revendo grandes momentos da história do cinema e sua própria história. Este ano, serão exibidos os franceses “A Batalha dos Trilhos” (René Clément, 1946), e “O Salário do Medo” (Clouzot/1953), o turco “Yol” (Yilmaz Guney/1982), o japonês “A Balada da Narayama” (Sohei Imamura/1983), entre outros.

O prêmio “Olho de Ouro”, destinado a documentários exibidos em qualquer uma das mostras de Cannes, chega à sua terceira edição. A atriz e diretora Sandrine Bonnaire vai presidir o júri. Entre os concorrentes, sua colega Vanessa Redgrave, que estreia na direção (com “Sea Sorrow”), a grande Agnes Varda (diretora do clássico “Os Catadores e a Catadora”), que comparece com “Visages, Villages”, os veteranos Claude Lanzman (“Napalm”), Raymond Dépardon (“12 Jours”), Amos Gitai (“West of the Jordan River”) e Barbet Scroeder (“ Le Vénérable W”). No total, são vinte concorrentes. Como se vê, o Festival de Cannes está cada vez mais aberto ao cinema documental.

 

Por Maria do Rosário Caetano

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