Prefeituras cobram irregularmente ISS sobre produções cinematográficas

As produtoras audiovisuais brasileiras, atualmente, estão sujeitas a tributação pelo Imposto Sobre Serviços de qualquer Natureza – ISS, em vários municípios brasileiros, sobre os valores referentes a produção cinematográfica.

O ISS, nos moldes atuais, foi trazido pela Lei Complementar nº 116/2003, que é uma lei federal que regulamenta o ISS para a aplicação pelos municípios, estabelecendo as balizas mestres sobre as quais os municípios podem legislar e praticar sua competência. Assim a Lei Complementar apresenta o fato gerador, que é praticar os serviços descritos na Lista Anexa, estabelecendo alíquotas mínimas e máximas que podem ser cobradas, o local da prestação e o município competente para a cobrança do tributo e outras definições necessárias para que o tributo possua uma unidade mínima para a cobrança pelos mais de 5.000 municípios espalhados pelo país.

A mesma Lei ainda define as atividades que são consideradas serviços para fins fiscais, que constam da Lista Anexa à Lei Complementar nº 116/2003. Quando da leitura da Lista Anexa, pode se verificar que o item 13.01, referente à atividade de Produções Cinematográficas foi vetado pelo Sr. Presidente da República à época da promulgação da Lei, sendo essa atividade excluída da Lista Anexa e do campo de incidência do ISS.

Ora, se a atividade de Produção Cinematográfica foi excluída da Lista Anexa da Lei Complementar, como é possível para as autoridades fiscais municipais exigir o ISS sobre os valores recebidos pelas produtoras por essa atividade?

Atualmente, as autoridades municipais possuem basicamente duas teses para justificar a cobrança, sendo a primeira e mais utilizada é a de equiparar a Produção Cinematográfica (Item 13.01 – vetado) à Cinematografia (item 13.03), para cobrar o ISS sobre Cinematografia e, com isso, incluir os valores de Produção Cinematográfica.

A outra forma é afirmar que o veto presidencial ao subitem 13.01 da Lista Anexa da Lei Complementar nº 116/2003 destina-se somente aos produtos que estão sujeitos ao ICMS (vídeos como mercadoria, tais como: videotapes, digital video disc e congêneres), o que exclui a hipótese de prestação individualizada do serviço de gravação de filmes, quando feita por solicitação de outrem ou por encomenda, que permanece sujeita a incidência do ISS, cobrando o ISS sobre as Produções Cinematográficas por encomenda, sobre o item 13.03 da Cinematografia já que nessa teses existe ainda a equiparação das atividades já apresentada acima.

Ambas as argumentações para a cobrança do imposto foram rechaçadas pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ, que decidiu afastar a primeira tese dos fiscos municipais que equipara a Produção Cinematográfica à Cinematografia, afirmando que o item 13.03 da Lista Anexa não autoriza a tributação pelo ISS do serviço de produção de filmes/vídeos por encomenda, sendo que essa atividade não se equipara aos serviços de Cinematografia, não sendo adequada a interpretação extensiva de item da referida lista, tendo em vista a existência de veto presidencial ao item 13.01, dado que à interpretação extensiva de dispositivo no enquadramento do serviço correlato em outro item equivaleria à derrubada do veto, competência exclusiva do Congresso Nacional, que não entendeu pela derrubada do veto.

A segunda argumentação utilizada pelas autoridades fiscais derrubada pelo STJ foi de que o veto presidencial se dirigia apenas à comercialização geral de fitas gravadas, dado que a Mensagem nº 362/2003, na qual foi expresso o veto apresenta como razão do veto o posicionamento do Supremo Tribunal Federal – STF à época (“Por outro lado, se o suporte físico contém material personalizado, elaborado segundo especificações de consumidor específico, há a incidência do ISS” STF, RE 555.796 AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJe-089). Destaca-se que esse posicionamento do STF referia-se as hipóteses de incidência do ISS previstas no Decreto Lei nº 406/1968, e que quando da entrada em vigor da Lei Complementar nº 116/2003 em razão do veto presidencial ao item 13.01 da respectiva Lista Anexa, não há como se aplicar mais esse entendimento, dado que o Decreto Lei nº 406/1968 foi revogado pela Lei Complementar nº 116/2003, e, desta forma a partir da vigência da Lei Complementar 116/03, em face de veto presidencial em relação ao item 13.01, não mais existe previsão legal que ampare a incidência do ISS sobre a atividade de produção, gravação e distribuição de filmes, seja destinada ao comércio em geral ou ao atendimento de encomenda específica de terceiro, até mesmo porque o item vetado não fazia tal distinção.

Portanto, é claro que não há incidência de ISS sobre as atividades de Produção Cinematográfica e a cobrança indevida pelos municípios apresenta um cenário temerário e ilegal a toda produção cinematográfica e publicitária brasileira, ao qual as produtoras devem se proteger junto a tutela do poder judiciário que tem afastado tais cobranças.

 

Por Gregory More Becher, advogado no escritório Cesnik, Quintino e Salinas Advogados (cqs.adv.br), graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (Mackenzie/SP) e pós-graduado em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP).

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