Cine Ceará

O filme chileno “Uma Mulher Fantástica”, de Sebastián Lélio, abre neste sábado, 5 de agosto, a competição ibero-americana do XXVII Cine Ceará. Lélio, festejado diretor de “Glória”, longa que projetou, internacionalmente, a atriz Paulina García, desta vez, escolheu uma travesti para encabeçar seu elenco. No último Festival de Berlim, “Uma Mulher Fantástica”conquistou, além do Urso de Prata de melhor roteiro, o Prêmio Teddy, destinado ao melhor filme de temática homoafetiva.

Para disputar o Troféu Mucuripe de melhor filme ibero-americano, o festival cearense escolheu mais seis concorrentes. Dois são brasileiros. Os inéditos “Pedro sob a Cama”, de Paulo Pons (o mesmo de “Vingança”), e “Malasartes e o Duelo com a Morte”, de Paulo Morelli, que chegará ao circuito comercial na quinta-feira, 10 de agosto, como “a produção com maior número de efeitos especiais da história do cinema brasileiro”.

Outro país com dois representantes é Cuba (“Últimos Dias em Havana”, de Fernando Pérez, o maior cineasta vivo da Ilha, e “Santa e Andrés”, de Carlos Lechuga). Argentina (com “Ninguém Está Olhando”, de Julia Solomonoff) e República Dominicana (com “O Homem que Cuida”, de Alejandro Andújar) completam a lista de competidores.

A escolha de filmes de apenas cinco países para representar o mundo ibero-americano é questionável. Além da ausência de Portugal e da Espanha, este, um país dos mais presentes na história do Cine Ceará, deixa a Península Ibérica fora da disputa. Países com cinematografias significativas, como México, Colômbia e Peru, também fazem falta. Cuba está, proporcionalmente, hiper-representada.

O cineasta Wolney Oliveira, diretor do festival e ex-aluno da Escola Internacional de Cinema e TV de San Antonio de los Baños, nos arredores de Havana, argumenta que “os dois filmes cubanos são muito bons e conquistaram prêmios em diversos festivais”. Por isto, “a comissão de seleção viu que o Cine Ceará ganharia força com a participação de ambos”. E chama atenção para detalhe especial. No elenco de “Últimos Dias em Havana”, do mestre Fernando Pérez, está Patricio Wood, um grande ator, filho de uma legenda do cinema da Ilha, Salvador Wood”.

Quem conhece “Morte de um Burocrata” (1967), a deliciosa e inteligente comédia de Tomas Gutierrez Alea, e “Soy Cuba”, o épico soviético-cubano comandado por Mikhail Kalatozov, lembra-se de Salvador Wood. Ele protagonizou o filme de Alea e desempenhou importante papel no épico que deu origem ao documentário brasileiro “Soy Cuba, o Mamute Siberiano” (Vicente Ferraz, 2006). Wood pai, que está chegando aos 90 anos, deu sólido depoimento ao filme de Vicente. Wood filho, de 55 anos, alcançou sucesso similar ao do pai. Protagonista de “El Brigadista”, atuou em diversas outras produções cubanas. Virá ao Ceará, junto com o ator Jorge Martínez, representar o diretor Fernando Pérez, de 72 anos, que vive entre Cuba e a Alemanha e tem preferido ver seus dois ótimos protagonistas defendendo o denso e sensível “”Últimos Dias em Havana”.

Diálogos Latinos

Se no ítem “alcance geográfico”, o Festival Ibero-Americano de Fortaleza deixa a desejar, o mesmo não se pode dizer de sua conceituação e estrutura. Ações concretas de seu comando fizeram do Cine Ceará um dos mais importantes festivais do país e o mais sólido do Norte-Nordeste. Às suas três mostras competitivas – “Longas Latino-Americanos”, “Curtas Brasileiros” (com 14 títulos) e “Curtas Cearenses” (Olhar do Ceará, com 23 títulos) – Wolney e equipe abriram significativo espaço reflexivo, com seminários, debates, cursos e oficinas. Além de várias mostras informativas e especiais. Estas atenderão a públicos específicos (Idosos: “Mostra Melhor Idade”, Portadores de Deficiência: “Mostra Acessibilidade”, Crianças e Jovens: “O Primeiro Filme a Gente Não Esquece” e aos passantes: “Cinema na Praça”). E não se pode esquecer a Mostra Panorâmica do Cinema Chileno, o país homenageado este ano, composta com 19 longas e um curta-metragem.

Para ampliar o alcance do espaço reflexivo, o Cine Ceará estabeleceu, em parceria com o Porto Iracema, um dos mais dinâmicos projetos culturais do Estado, a série “Diálogos”. Diretores e atores latino-americanos presentes no festival terão muito o que fazer. Além de apresentarem (ao público) e debaterem (com críticos e jornalistas) seus filmes, eles irão participar dos “Diálogos Latinos”, tendo na plateia professores, cineastas e estudantes de cinema.

A portenha Julia Solomonoff, autora de “Ninguém Está Olhando”, abordará o tema “Direção: um Olhar Argentino”. Os dominicanos Alejandro Anduján e seu ator Héctor Estrella (de “O Homem que Cuida”) falarão sobre “O Novo Cinema do Caribe”. Carlos Lechuga (diretor de “Santa y Andrés”) e os atores Patrício Wood & Jorge Martínez (protagonistas de “Os Últimos Dias em Havana”) abordarão “O Cinema Cubano Contemporâneo”. A Revista de CINEMA participou, no Festival de Guadalajara, no México, de debates com as duas equipes habaneras. O resultado foi dos mais animadores. E vale lembrar que os dois filmes têm, entre seus temas, assunto dos mais mobilizadores: o amor homoafetivo.

Além dos convidados hispano-americanos, o Cine Ceará receberá Paulo Pons, diretor de “Pedro Sob a Cama”, e o ator Fernando Alves Pinto, que tem sua mulher, Letícia Sabatella como coprotagonista. Receberá, também, Paulo Morelli e Jesuíta Barbosa, diretor e protagonista de “Malasartes”. Jesuíta, vale lembrar, é pernambucano, mas foi criado no Ceará, onde realizou sua formação artística. Com ele, no elenco estelar deste filme “ara todas as idades” e que aposta na tecnologia para recriar saborosa fábula caipira, estão Isis Valverde, Vera Holtz, Leandro Hassum e Júlio Andrade.

O Cine Ceará contará com júri oficial, formado com profissionais do cinema ibero-americano, e com o Júri da Crítica, que unirá associados da Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) a críticos latino-americanos. O ensaísta e crítico José Geraldo Couto ministrará curso sobre “Literatura e Cinema – Uma Via de Mão Dupla”. E serão lançados vários livros, entre eles, “Desvendando a Ancine”, de Vera Zaverucha, e “Bernardet 80”, coletânea de ensaios organizada por Ivonete Pinto e Orlando Margarido.

Animação Ano 100

Para marcar o centenário da animação brasileira, o Cine Ceará recheou a mostra “O Primeiro Filme a Gente Nunca Esquece” só com filmes animados (“Eric Acorde”, “Um Conto em Cada Ponto” e “João de Barro”, os três de Telmo Carvalho, “Vida”, de Levi Magalhães, “Astrobaldo: Vênus Apaixonada”, de Neil Rezende, entre outros). Na noite de abertura, será exibido “A Luz da Mata”, mais um curta gerado pelo projeto Enel Compartilha Animação, fruto de oficinas criativas com estudantes de escolas cearenses. Na competição Curta Brasil, estará ‘”Vênus – Filó a Fadinha Lésbica”, do mineiro Sávio Leite. E no projeto Cinema na Praça, que programou sessão com clássicos do curta cearense, há uma pequena obra-prima, “Vida Maria”, de Márcio Ramos.

 

Por Maria do Rosário Caetano

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