Fest Brasília – “Pendular” e “Inocentes” têm boa recepção

Por Maria do Rosário Caetano, de Brasília

Depois da fervura do debate de “Vazante”, de Daniela Thomas, acuada por questionamentos de vozes afro-brasileiras insatisfeitas com o tratamento dado a personagens negros, a calmaria voltou a reinar no Festival de Brasília, que prossegue até domingo, na capital federal. 
O debate do quarto curta da competição (“Inocentes”, do carioca Douglas Soares) e do segundo longa (“Pendular”, da carioca Júlia Murat) transcorreu na mais santa paz.

“Inocentes” revisita a obra homoerótica do fotógrafo fluminense Alair Gomes (1921-1992), que deixou vasto acervo de imagens. Em especial, de corpos masculinos e apolíneos, expostos ao sol de luminosa praia carioca. Douglas, premiado no Festival de Brasília com o potente “Contos da Maré”, entrega-se ao percurso voyeurístico dos belos corpos. Mas interfere, felizmente, no universo imagético do fotógrafo, inserindo um corpo negro (de beleza igualmente escultural) entre os brancos quase arianos que Alair Gomes fotografou, sem que fosse visto, de seu apartamento frente ao mar.
 O cineasta inseriu, também, em sua narrativa, imagens dionisíacas do carnaval carioca, ao som de vibrante marchinha. O olhar de Douglas sobre o universo homoerótico do fotógrafo fluminense se potencializaria caso tivesse dado maior relevo às imagens suadas e miscigenadas dos foliões momescos.

“Pendular”, o filme de Júlia Murat, que chega aos cinemas nesta quinta-feira, mostra um casal – ela, bailarina (Raquel Karro), ele, escultor (Rodrigo Bolzan) – em exercício de seus ofícios criativos e amorosos. Por mostrar cenas de denso e explícito erotismo, o filme teve sua censura elevada para 18 anos. Um exagero que se coaduna com o momento de regressão e obscurantismo vivido pelo país. Momento em que exposições são fechadas para atender a segmentos retrógrados da população e peças de teatro são impedidas de subir ao palco “por razões religiosas”. A cineasta contou que vai recorrer judicialmente contra o rigor censório solicitando que a faixa classificatória caia para 16 anos.

Mostras paralelas e sessões especiais continuam movimentando o festival, que comemora sua quinquagésima edição com programação gigantesca. Nesta segunda-feira, 18 de setembro, começou mais uma competição: a Mostra Brasília – Prêmio Assembleia Legislativa do DF, que apresenta, no Cine Brasília, o melhor da produção local. O público, que costuma prestigiar a competição de filmes brasilienses, chega a igualar-se (às vezes, a superar) as plateias que abarrotam a competição principal.

Dos debates do dia (são muitos) um se destaca: “Terra em Transe – O Cinema Reflete a História que Acontece”. Entre os palestrantes, o cineasta Douglas Duarte, de “Personal Che”. Ele mostrou trechos de seu (novo) documentário sobre o impeachment de Dilma Roussef (visto de dentro do Congresso Nacional). Douglas integra o time que filmou o transe vivido pelo país, há pouco mais de um ano, ao lado de Anna Muylaert, Lô Politi, César Charlone (esta trinca registrou o impeachment de dentro do Palácio da Alvorada), Petra Costa, Renato Tapajós, Maria Augusta Ramos, Boca Migotto, entre outros.

Uma das mostras informativas do festival – “50 Anos em Cinco Dias” –, na verdade, se divide em duas. Uma é dedicada a documentários contemporâneos que fazem registros de nossa história cinematográfica. Outra, com curtas e longas-metragens que marcaram os 50 anos do festival. A Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) escolheu nove longas e nove curtas para exibição. O primeiro a ser mostrado foi “A Hora e Vez de Augusto Matraga”. Marília Santos e Cláudio Santos Pinhanez, mulher e filho do saudoso Roberto Santos, apresentaram, no Cine Brasília, cópia estalando de nova (com som e imagens restaurados) de “Matraga”, primeiro vencedor do festival. A poderosa adaptação do conto homônimo de Guimarães Rosa, encantou o público, passados quase 53 anos de sua consagração em Brasília.

Muitos dos que viram o filme ficaram impressionados. Alguns ressaltaram sua modernidade, a beleza da fotografia de Hélio Silva (com certeza influenciado pelo cinema japonês – há que se estudar a influência do cinema daquele país asiático em nossa produção do final dos anos 1950 e ao longo dos 60), a qualidade dos atores (Leonardo Villar em estado de total entrega ao personagem roseano) e da trilha sonora de Geraldo Vandré.

Marília Santos contou que vai, agora, mostrar e debater o filme em São Paulo (data em fase de agendamento) e quer ter Vandré na plateia. “Ele precisa ver esta cópia, cujo som, trilha sonora e imagens foram meticulosamente restaurados”. E arrematou: “meu filho me disse, depois da excelente projeção do Cine Brasília, que, pela primeira, ouviu a íntegra dos diálogos”.

Os outros filmes da mostra 50 Anos em Cinco Dias (Grande Momentos do Festival) são ”O Padre a Moça’, de Joaquim Pedro, “A Falecida”, de Leon Hirsman, “O Bandido da Luz Vermelha”, de Rogério Sngazerla, “Iracema, uma Transa Amazônica”, de Bodanzky e Senna, “A Hora da Estrela”, de Suzana Amaral, “Alma Corsária”, de Carlos Reichenbach, “Santo Forte”, de Eduardo Coutinho, e “Filme de Amor”, de Júlio Bressane. Os curtas selecionados são “Blá Blá Blá”, de Andrea Tonacci, “3 Minutos”, de Ana Luíza Azevedo, “Amassa que Elas Gostam”, de Fernando Coster, “SerTão Cinzento”, de Henrique Dantas, “Rota ABC”, de Francisco César Filho, “Recife Frio”, de Kleber Mendonça, “Quintal”, de André Novais Oliveira, e “Meu Amigo Nietszche”, de Faustón da Silva.

Os documentários contemporâneos de 50 Anos em Cinco Dias são “Escola de Cinema”, de Angelo Ravazi, “O Cinema Foi à Feira”, de Paulo Hermida, “Histórias que Nosso Cinema (Não) Contava”, de Fernanda Pessoa, “Cine São Paulo”, de Martensen e Tomazelli, e “Guarnieri”, de Francisco Guarnieri.

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