“Escolas em Luta” gera debate empolgante na Mostra de Cinema de Gostoso

Por Maria do Rosário Caetano, de São Miguel do Gostoso (RN)

O longa documental paulistano “Escolas em Luta” motivou o mais animado, longo e participativo dos debates da IV Mostra de Cinema de São Miguel do Gostoso. Dois de seus diretores, Eduardo Consonni e Rodrigo T. Marques — o ausente Tiago Tambelli completa a trinca — apresentaram o filme ao público, que ocupava todas as cadeiras do cinema ao ar livre, montado nas areias da Praia do Maceió.

Na manhã seguinte, os realizadores debateram o filme com moradores de São Miguel do Gostoso e com convidados do festival. “Escolas em Luta” registra o embate entre estudantes secundaristas e o Governo de São Paulo, gestão Geraldo Alkmin, para evitar o fechamento de 94 escolas estaduais. Para impedir tal fechamento, estudantes de 13 a 17 anos, em média, ocuparam 241 estabelecimentos educativos, enfrentaram a polícia nas ruas paulistanas e receberam assistência de grupos ativistas no plano da Advocacia, Mídia Livre e movimentos sociais.

O público vibrou e aplaudiu, em especial, uma cena do filme. Aquela em que um secundarista negro, de rosto rechonchudo e apenas 13 anos, enfrenta um policial. O estudante instiga o agente do Estado, que ameaça entrar na escola à força, a apresentar “mandado judicial”. Afinal, avisa o pré-adolescente, os secundaristas conhecem seus direitos. Os diretores do filme esclareceram que os jovens sabiam mesmo o que estavam fazendo, pois foram assessorados pelo coletivo Ativistas da Advocacia.

“Estudantes em Luta” será exibido e debatido nesta quarta-feira, 22 de novembro, em São Paulo, no Cine Bijou, dentro da Mostra Cinema Urgente (20h). No dia 2 de dezembro, às 17h, terá sessão especial no CineSesc, para o público em geral e, especialmente, plateia estudantil.

Além do secundarista negro, de apenas 13 anos, mais duas estudantes roubam a cena no filme: Lilith e Marcela. A primeira é filha do fotógrafo Sérgio Andrade da Silva, que ficou cego de um olho, ao ser atingido por disparo da PM, e de mãe jornalista, que atua em movimentos de mídia livre. A plateia quis saber dos dois diretores por que as mulheres ganharam tanto destaque no filme? Tratava-se de postura prévia e intencional deles? Ou o destaque dado às meninas fazia justiça à significativa participação delas na ocupação das escolas?

Eles responderam: “o destaque delas era evidente”. Embora “o movimento não tivesse líderes, fosse coletivo, elas estavam nos enfrentamentos com a polícia, nas reuniões, nas atividades de coleta de alimentos e produtos de limpeza, nas frentes de manutenção das escolas para evitar vandalismo etc”. E mais: “foram fundamentais na filmagem de sequências do documentário em que a câmara estava com eles, os secundaristas”. Como fizera Paulo Sacramento, em “O Prisioneiro da Grade de Ferro” (o cineasta treinou e entregou câmaras aos presidiários do Carandiru), os três realizadores de “Escolas em Luta” pediram aos estudantes que registrassem suas vivências cotidianas, brincadeiras, conversas nas longas horas de ocupação em que nada de épico acontecia. Familiarizados com as novas tecnologias, os secundarista sentiram-se “empoderados e fizeram um belo trabalho”. Neste processo — contaram — “a participação da secundarista Bia foi fundamental. Ela trabalhou muito e com imensa dedicação nestes registros”.

Consonni e Marques fizeram questão de registrar a importância do parceiro Tiago Tambelli no filme. Lembraram que ele é, além de diretor e fotógrafo, um ativista incansável. “Nós montamos um documentário do Tambelli (’20 Centavos’, sobre os protestos estudantis contra o aumento das passagens de ônibus) e estreitamos frutífera parceria e amizade com ele. Por isto, o convidamos para dirigir ‘Escolas em Luta’ conosco. A participação dele foi fundamental, pois traz grande experiência em filmagens de movimentos sociais, quando estas se processam no perigoso confronto com forças policiais. São dele as imagens que mostram os policiais espancando os estudantes com enormes cassetetes ou jogando bombas nos manifestantes.

Os cineastas, cuja produtora realizou o filme “Pedro Omar, prá Liberdade que se Conquista”, lembram que filmar a polícia é um jogo duplo. “Nós os filmamos e eles nos filmam também, esta é a realidade”. Os diretores do documentário, que são também seus produtores, realizaram “Escolas em Luta” na cara e na coragem. Não pediram autorização de uso de imagem aos envolvidos no filme. Os secundaristas não só cederam as imagens de sua luta mobilizadora, como ajudaram nas filmagens. Já “policiais e autoridades estão lá, pois desempenharam papel fundamental na repressão contra os que lutavam contra o fechamento das 94 escolas pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo”.

“Escolas em Luta” foi mostrado em diversas sessões públicas. Até agora, os produtores do filme não receberam aviso de nenhum processo judicial. Se eles vierem — asseguram — “contaremos com a assessoria e ajuda do coletivo Advogados Ativistas, que respaldou os secundaristas e o próprio filme”. Tudo indica que, com o longa-metragem de Consonni, Marques e Tambelli, acontecerá algo semelhante ao que aconteceu com o épico “Martírio”, de Vincent Carelli, Ernesto Carvalho e Tita. Esta trinca colheu, na internet, imagens de parlamentares, fazendeiros, prefeitos e governadores proferindo, em espaço público, discursos e ameaças virulentos contra indígenas, posseiros e militantes do MST (Movimento dos Sem-Terra). Carelli, cineasta e indigenista reconhecido internacionalmente, avisou que continuaria mostrando o filme em festivais e que o lançaria nas salas de cinema. O que foi feito, com grande repercussão (em prêmios, em especial, já que o filme triunfou em diversos festivais brasileiros e no Festival Internacional de Mar del Plata, na Argentina). Nenhum político, caso dos parlamentares Ronaldo Caiado e Kátia Abreu, ligados ambos ao Agronegócio, recorreu à Justiça contra a exibição da saga dos Guarani-Kaiowá, que lutam pela posse de suas terras por mais de dois séculos.

AUDIOVISUAL NO RIO GRANDE DO NORTE

Além de debater os filmes que participam de suas mostras competitivas e informativas, a IV Mostra de Cinema de Gostoso organizou painel para mapear os problemas e conquistas da produção audiovisual potiguar. Sentaram-se à mesa, moderada por Matheus Sundfeld, a diretora Dênia Cruz, de “Leningrado, Linha 41” (que participa da competição de Curtas) e os produtores e realizadores Catarina Doolan, da Prisma Filmes, e André Santos, do Coletivo Caboré.

Os três contaram que a produção potiguar vem crescendo, apesar da falta de políticas públicas por parte do Governo Estadual. “De certo mesmo”— pontuaram — “só o Edital da Prefeitura de Natal, que atende aos produtores do município”. Foram realizados, até agora, três editais que deram origem a mais de uma dezena de curtas. “O Sebrae (Serviço de Apoio à Pequena Empresa) também tem contribuído com recursos modestos, mas importantes”.

A produção de longas-metragens continua dependendo de apoios federais (também pequenos) ou de iniciativas individuais. Ou seja, filmes feitos na guerrilha, na cara e coragem ou por crowdfunding, a popular “vaquinha”. Entre os projetos viabilizados assim, sem orçamento, destacam-se produções tanto na capital como em cidades do interior (caso de Currais Novos, Alexandria e Mossoró). Levantamento promovido por pesquisadores locais contaram “dez longas-metragens no período de 2000 a 2017″.

Um dos curtas patrocinados por uma das edições do Edital de Cinema de Natal — o documentário “Sêo Inácio (Ou o Cinema do Imaginário)”, de Hélio Ronyvon, sobre um cinéfilo potiguar — foi exibido com boa aceitação no Festival de Gramado.

Neste momento, a ABD-RN conta com 50 associados (diretores, fotógrafos, roteiristas, montadores etc). Muitos começam a trabalhar em séries para TV, webséries, curtas-metragens e preparam a produção de dois longas-metragens, que receberam apoios de programas de fomento do Governo Federal (para a fase de pesquisa e roteiro).

Na competição de curtas da Mostra de Cinema de Gostoso, há várias produções do Estado, tanto da capital quanto do interior. Três filmes — “O Grande Ó”, “Os Dois Lados do Lixo” e “Moeda Gostoso” — do Núcleo Nós do Audiovisual, aqui do município e de seus distritos, se somam a mais quatro produções.

“O Fim de Tudo” é uma ficção dirigida por Victor Ciriaco, estrelada por Arly Arnaud (de “Eu me Lembro”, longa de Edgard Navarro) e Silvero Pereira (que acaba de interpretar o motorista Nonato, que se transformava na performer Elis Miranda, na telenovela “A Força do Querer”). Um filme duro, sobre uma mãe vítima de Alzheimer, abandonada por todos, menos pelo filho homossexual. Ele zela por ela com imensa dedicação.

Outro representante potiguar na competição de curtas é “Leningrado, Linha 41″, de Dênia Cruz. O filme não tem, diretamente, nada a ver com o centenário da Revolução Bolchevique. Leningrado foi o nome dado a uma ocupação de Sem-Tetos, em Natal, no ano de 2004. Ao batizar o assentamento, houve, sim, homenagem à cidade que carregou, mesmo que temporariamente, o nome de Lênin, líder máximo dos bolcheviques. O filme potiguar evoca os 13 anos de luta dos assentados natalenses por direitos básicos como moradia digna, saúde, transporte e lazer.

Na Mostra Panorama, de caráter informativo, foram programadas as ficções “Cuscuz Peitinho”, de Rodrigo Sena e Júlio Castro, e “Em Torno do Sol”, de Júlio Castro e Vlamir Cruz.

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