Mostra premia “O Pacto de Adriana”, “Aos teus Olhos” e “Em Nome da América”

Por Maria do Rosário Caetano

“O Pacto de Adriana”, poderoso documentário da chilena Lissette Orozco, foi eleito pelo júri da 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo como o melhor entre os 14 filmes de diretores estreantes, que disputaram o Troféu Bandeira Paulista.

“Aos teus Olhos”, da carioca Carolina Jabor, foi eleito o melhor filme ficcional brasileiro, e o pernambucano “Em Nome da América”, de Fernando Weller , o melhor documentário. Por terem sido os escolhidos do júri oficial, presidido pelo exibidor Adhemar Oliveira, entre os 60 longas brasileiros apresentados, as duas produções conquistaram troféu e Prêmio Petrobras no valor de R$ 200 mil, para a ficção, e R$ 100 mil, para o documentário. Tais recursos deverão ser gastos na distribuição comercial dos dois filmes.

O distribuidor Bruno Beauchamps, da Pagu Pictures, comemorou a conquista. Ele, que acaba de lançar “Gabriel e a Montanha”, de Fellipe Barbosa, vai agora centrar esforços na segunda ficção de Carolina Jabor, com estreia prevista para o primeiro semestre de 2018.

“Aos teus Olhos” é uma produção de orçamento médio e somou esforços da Conspiração Filmes, Rede Globo, Canal Brasil e Ancine. Em seu agradecimento, Carolina lembrou “os tribunais condenatórios das redes sociais” e agradeceu à sua equipe, em especial ao elenco, ao roteirista Lucas Paraíso e ao montador Sérgio Mekler.

Mais uma vez, as mulheres brilharam em cerimônia de premiação de um festival brasileiro. Ao agradecer, por vídeo gravado no Chile, a conquista do Troféu Bandeira Paulista, Lissette Orozco relembrou sua recente passagem pelo festival paulistano e “os ótimos debates” que se seguiram às sessões em que esteve presente.

“O Pacto de Adriana” é, além de muito bom, corajoso e revelador. Por que corajoso? Porque a jovem cineasta enfrenta afetos familiares para desvendar as ações de sua tia (e grande amiga), Adriana Rivas, a Chany, integrante da Dina, serviço secreto de repressão criado pela ditadura Pinochet. Comandada pelo general de exército Manuel Contreras, a Dina torturou e matou milhares de opositores. Finda a ditadura, o militar foi condenado a 500 anos de prisão. Muitos de seus auxiliares, entre os quais estava Adriana Rivas, foram processados. O filme, premiado pela Mostra paulistana, acompanha tais processos, com foco especial no de Tia Chany.

O longa-metragem da brasileira Carolina Jabor tem como tema outro assunto relevante: a fúria condenatória das redes sociais. No filme, a vítima é um professor de natação (Daniel Oliveira), acusado de beijar a boca de um aluno, uma criança de sete anos. A mãe do menino condena o professor sem esperar o processo legal e espalha a notícia na internet. A vida do jovem transforma-se em um pesadelo. Embora baseado em peça catalã (recriada pelo brasileiro Lucas Paraíso), “Aos teus Olhos” é uma versão perfeita do que aconteceu na Escola Base, em São Paulo.

O documentário “Em Nome da América”, do fluminense-pernambucano Fernando Weller, foi festejado pelo júri oficial por seu revelador mergulho em importante momento de nossa memória social e política. Aquele em que as Ligas Camponesas ganhavam força no Nordeste brasileiro.

“Em Nome da América” nasceu de informação (sugestão) não confirmada: o jovem Steven Spielberg, que se tornaria um dos mais conhecidos cineastas do mundo, teria vindo ao Brasil, nos anos 1960, atuar como voluntário nos Peaces Corps (Corpos da Paz). Ou seja, em missões norte-americanas voltadas aos pobres, para evitar que fossem arregimentados por movimentos comunistas. Temia-se que o Nordeste brasileiro acabasse transformando-se em uma “nova Cuba”. Sem confirmar a informação sobre Spielberg, o cineasta centrou sua narrativa nas “contradições entre a política externa dos EUA e as motivações dos voluntários, atônitos diante das mazelas de região marcada pela fome e pela violência”.

Ao agradecer o prêmio, Weller, que é professor da Universidade Federal de Pernambuco, evocou o momento de obscurantismo em que estamos vivendo, e destacou “a nostalgia de alguns pela ditadura militar e por esquecimentos oportunistas”.

A Crítica Cinematográfica e o Público tomaram caminhos diferentes dos Júris Oficiais (até porque um festival que apresenta quase 364 filmes oferece opções muito diversificadas). A Crítica elegeu dois longas brasileiros: “Gabriel e a Montanha”, de Fellipe Barbosa, entre os cineastas com mais de dois longas-metragens, e o gaúcho “Yonlu”, de Hique Montanari (Prêmio Abraccine para diretor estreante). O filme conta a história do jovem de 16 anos, o Yonlu, que tornou-se conhecido por suas músicas e intervenções artísticas na internet. E que participou, com consequências trágicas, de um fórum de potenciais suicidas.

O ator Thales Cabral, que interpreta o protagonista Yonlu, fez discurso articulado e contundente no palco. Lembrou os “tempos difíceis” que estamos vivendo e reafirmou a coragem de Hique Montanari, ao enfrentar, sem sensacionalismo, “tema ainda tabu, o suicídio”.

Entre as produções estrangeiras, os escolhidos pelos Críticos foram os franceses “Custódia”, de Xavier Legrand (melhor filme) e “Visages, Villages” (Rostos, Vilarejos), de Agnès Vardá e JR (Prêmio Especial do Júri). Os cineastas franceses mandaram seus agradecimentos por via digital e foram muito aplaudidos. Em especial, a divertida dupla formada por Agnès Varda, de 89 anos, e seu jovem parceiro cinematográfico, o fotógrafo JR. Os dois estão rodando o mundo com seu apaixonante documentário, que estreou no último Festival de Cannes e foi agraciado com o Troféu Olho de Ouro. Mês que vem, Varda receberá um Oscar especial da Academia de Hollywood por sua trajetória no cinema.

Já o Público consagrou três filmes não lembrados pelo Júri Oficial, nem pela Crítica. Só houve coincidência na escolha do melhor documentário estrangeiro (“Visages, Villages”, de Vardá e JR). A cineasta franco-belga recebeu, ainda, o Prêmio Humanidade, que a Mostra SP atribui anualmente a realizadores cuja trajetória contribui ética e esteticamente com o desenvolvimento do cinema e das relações humanas.

O Público consagrou a animação polaco-britânica “Com Amor, Van Gogh”, de Dorota Kubiela e Hugh Wellchman, como a melhor ficção estrangeira. Wilson Feitosa, distribuidor do filme, convidou a todos a prestigiarem esta animação que usa a técnica de pintura do gênio holandês para prestar-lhe tributo cinematográfico. O filme entra em cartaz, em vários Estados brasileiros, no próximo dia 16 de novembro.

Entre os brasileiros, o Júri do Público preferiu a ficção “Legalize Já”, de Johnny Araújo e Gustavo Bonfé, que parte de experiências da juventude de Marcelo D2, um dos criadores da banda Planet Hemp, e o documentário “Tudo é Projeto”, de Joana Mendes da Rocha.

Os diretores de “Legalize Já” lembraram que não fizeram um filme-manifesto “pela legalização da maconha”, mas sim, contaram “uma história de amizade entre Marcelo D2, que sequenciou sua vida como músico, e um amigo próximo, Skunk, que teve outro destino”.

Já a realizadora de “Tudo é Projeto” contou que, ao longo de dez anos, acompanhou a trajetória do pai, o respeitado e premiado arquiteto Paulo Mendes da Rocha, hoje com 89 anos. E chorou, emocionada, ao agradecer o reconhecimento de seu filme.

Confira abaixo os filmes premiados:

JÚRIS OFICIAIS

“O Pacto de Adriana”, de Lissette Orozco (Chile) – melhor filme internacional
“Aos teus Olhos”, de Carolina Jabor – melhor filme ficcional brasileiro (Prêmio Petrobras, R$ 200 mil)
“Em Nome da América”, de Fernando Weller – melhor documentário brasileiro (Prêmio Petrobras, R$ 100 mil)

CRÍTICA CINEMATOGRÁFICA

“Gabriel e a Montanha”, de Fellipe Gamarano Barbosa – melhor filme brasileiro
“Custódia”, de Xavier Legrand (França) – melhor filme estrangeiro
“Visages, Villages” (Rostos, Vilarejos), de Agnès Vardá e JR (França) – Prêmio Especial do Juri da Crítica
“Yonlu”, de Hique Montanaro – Prêmio Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) – Melhor filme brasileiro de diretor estreante.

PÚBLICO

“Com Amor, Vann Gogh”, de Dorota Kubiela & Hugh Wellchman (Polônia/Inglaterra) – melhor ficção
“Visages, Villages” (Rostos, Vilarejos), de Agnès Vardá & JR (França) – Prêmio de melhor documentário (a cineasta franco belga recebeu, ainda, o Prêmio Humanidade, por sua trajetória)
“Legalize Já”, de Johnny Araújo & Gustavo Bonfé (Brasil) – melhor ficção
“Tudo É Projeto”, de Joana Mendes da Rocha (Brasil) – melhor documentário

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