Admiração de Salles pelos filmes de Jia Zhang-ke o leva de volta à China

Walter Salles filmou, na China, um documentário que registra a rica e complexa trajetória de Jia Zhang-ke, 43 anos, um dos nomes de ponta do cinema contemporâneo, diretor de “O Mundo”, “Em Busca da Vida” (consagrado pelo Festival de Veneza) e “Um Toque de Pecado”. Salles, admirador entusiasmado da obra do colega chinês, conheceu uma China em transformação, e um momento importante para o cinema chinês.

Um dos primeiros artigos publicados, no Brasil, sobre o cinema de Jia Zhang-ke trouxe a assinatura de Walter Salles. O brasileiro analisou “Plataforma”, segundo longa-metragem do diretor chinês e o primeiro a chamar atenção no exterior (no caso, no Festival de Veneza de 2000).

Walter seguiu de perto, e atentamente, cada novo filme do artista, fosse documentário ou ficção. Os filmes de Zhang-ke, em especial os ficcionais, são disputados pelos mais importantes festivais do mundo. Foi assim com “O Mundo”, “Em Busca da Vida” e “Um Toque de Pecado”. Mas seus documentários – “Dong” (sobre trabalhadores da região banhada pelo Rio Yan Tze, onde foi construída a mega-represa das Três Gargantas), “Inútil” (sobre a exploração de mão de obra pela indústria da moda), e o híbrido “Memórias de Xangai” (com trechos da passagem de Michelangelo Antonioni pelo grande país asiático, onde dirigiu “Chung-Kuo – China”, de 1974) – também alcançaram grande repercussão e foram mostrados em festivais e nos cinemas brasileiros. Em breve, a Paris Filmes lançará “Um Toque de Pecado”, que depois de passar no Festival de Cannes, teve sua avant-première brasileira na Mostra Internacional de São Paulo.

Filme e livro

O novo documentário de Walter Salles, diretor que também transita com igual entusiasmo pela ficção e pelo documentário, trará Jia Zhang-ke à mostra paulistana, no ano que vem. Aqui, ele assistirá ao filme e autografará o livro organizado por Walter, que reunirá entrevistas e conferências do próprio Zhang-ke, mais artigos do cineasta brasileiro e ensaio da professora Cecília Mello, da USP, que dedica seu pós-doutorado à obra do chinês. A publicação será fruto da parceria entre a editora Cosac Naify e a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

Filme e livro sobre Jia Zhang-ke nasceram da sugestão de Leon Cakoff e de Renata de Almeida, a atual curadora da Mostra de São Paulo. Walter realizou as primeiras filmagens do documentário na 31ª edição da Mostra, em 2007, quando Zhang-ke acompanhou, aqui, retrospectiva completa de sua carreira. Nesta nova etapa do projeto, agora em solo chinês, Walter Salles e sua compacta equipe desenvolvem jornadas de trabalho em Pequim (Beijing) e Fenyang, cidade natal de Jia Zhang-ke.

Na capital chinesa, Walter documentou a visita do diretor à Academia de Cinema de Beijing, onde fez sua formação cinematográfica. Filmou, também, master class que Zhang-ke ministrou a alunos da Universidade de Artes Plásticas de Beijing.

A foto de Jia Zhang-ke com Walter Salles, que ilustra o artigo de Salles, foi tirada por Xiao Qinan, assistente do cineasta chinês, e postada na internet (o blog de Jia Zhang-ke é seguido por 9,8 milhões de chineses).

Império do centro

Em Fenyang, cidade natal de Zhang-Ke e segunda escala da viagem cinematográfica de Walter Salles, o diretor chinês filmou seus três primeiros longas-metragens, “Pickpocket” (1977), “Plataforma” (2000) e “Prazeres Desconhecidos” (2002). Filmou também – lembra Walter – parte de seu filme mais recente, o extraordinário “Touch of Sin” (“Um Toque de Pecado”).

Um dado de natureza afetiva intensificou a motivação de Walter Salles a realizar filmagens em Fenyang. Foi nesta mesma cidade que outro grande cineasta chinês, Chen Kaige, realizou o filme “Terra Amarela” (1984), fotografado por Zhang Yimou, cineasta que mais tarde se consagrou mundialmente por “Sorgo Vermelho” (1987), “Lanternas Vermelhas” (1991) e “A História de Qiu Ju” (1992), todos protagonizados pela atriz Gong Li.

Em 1987, a Videofilmes, dos irmãos João e Walter Salles, produziu o especial “China, o Império do Centro”, para a TV Manchete. João dirigiu e Walter montou. E se não bastassem a beleza e a qualidade narrativa da série, Walter e João presentearam o público da emissora com uma raridade: “Terra Amarela”, primeiro longa-metragem da China comunista, exibido por uma emissora de TV brasileira. Os espectadores da Manchete ficaram encantados com a série e com o filme. Ainda no final dos anos 80 – e sob o impacto de “China, o Império do Centro” – o Brasil descobriria, com ajuda dos irmãos Salles (e de uma só vez), os dois nomes mais importantes da quinta geração chinesa. Zhang Yimou teria, então, todos os seus filmes lançados no Brasil. Chen Kaige, vencedor do Festival de Cannes de 1993, com “Adeus minha Concubina”, ganharia completa retrospectiva na Mostra Internacional de São Paulo, nos anos 90.

Poucos anos atrás, num debate sobre cinema contemporâneo, em São Paulo, um jovem perguntou a Ismail Xavier, professor da USP, quem, entre os realizadores de cinema em atividade em nossos dias, conseguia dar conta da complexidade de seu tempo histórico, realizando filmes inventivos e políticos. Sob o impacto da dobradinha “Dong” (versão documental) e “Em Busca da Vida”, Ismail respondeu: o chinês Jia Zhang-ke.

Leia artigo que Walter Salles escreveu da China, durante as filmagens do documentário, exclusivamente para a Revista de CINEMA.

 

Por Maria do Rosário Caetano

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